ROTINAS… – Bárbara Seabra

ROTINAS… –

Branquinha, transparente, incandescente! Estes estavam sendo os adjetivos mais comumente ouvidos por mim ultimamente. Nem parece que moro na cidade do sol e confesso que isso vai além de preocupações estéticas. Minha vitamina D continua a baixos níveis mesmo com a dosagem semanal sendo dobrada pelo médico. Enfim, descubro-me pela primeira vez em meses com uma rotina sem rotina. Responsabilidades e compromissos de horários leves e podendo cuidar de mim sem olhar constantemente para o relógio.

Assim, coloco o biquíni esquecido a muito tempo no guarda-roupa, passo um protetor fator 50 e desço para a piscina do prédio. Também havia esquecido sua existência! Antes de ativar meu Kindle eu coloco para tocar minha playlist no Spotify. Não há nenhuma mais perfeita. Vai de Atitude 67 a Patrick Swayze, passando por Cartola e Biafra. Surpreendo-me ao ouvir Trio Irakitan e, de repente, toca Dominó ou Angélica cantando vôo de táxi. Isso sempre me tira boas risadas…

Paro um pouco de ler e olho para minha coxa direita. Uma cicatriz! Não lembro o motivo dela existir. Fico analisando, passo a mão, aperto um pouco e lembro da remoção de um sinal. Ufa! Lembrei!

Olho para a barriga e vejo algumas cicatrizes das três cirurgias feitas por laparoscopia e recordo nosso João Victor me dizendo:

– Se continuar a retirar tantos órgãos, quando morrer a gente vai precisar te encher de palha. Virou espantalho!

Verdade! Ao longo da vida a gente tira vesícula, ovário, útero, outro ovário, um sinal aqui e outro ali e percebe que o poder de transformação e de adaptação que temos é enorme. Algo que sabemos ser fundamental mostra-se desnecessário ou substituível por uma medicação. Como assim?

Percebo o sol aquecendo minha pele e sinto que já é hora de voltar para o apartamento. Desligo o Spotify enquanto toca Ritchie – menina veneno! Pego o Kindle, passo a mão mais uma vez na cicatriz da coxa e nas da barriga e penso como somos fortes, nos moldando e nos reinventando a cada tempestade que passamos.

Só não podemos esquecer de observar e aproveitar cada processo, sorrir a cada vitória, chorar a cada derrota e nos fortalecer como pessoa a cada passo dado, sentindo orgulho de nossas cicatrizes, pois elas nos moldam constantemente. As físicas e as da alma…

 

 

 

 

 

 

 

 

Bárbara Seabra – Cirurgiã-dentista e Escritora

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