ROYAL SALUTE, CAVIAR E FAISÃO –

Destemido, com a afoiteza que somente a juventude permite, na primeira metade dos anos 1960 fui morar em São Paulo, pela primeira vez. Lá fui trabalhar nos jornais dos Diários Associados (Diário de São Paulo e Diário da Noite) e, também, em uma corretora da Bolsa de Valores. Eram trabalhos puxados, porém o fato de ter insônia me ajudava. Em ambos os ambientes era massacrante a presença masculina, poucas eram as mulheres presentes nas redações e no mercado financeiro.

Certa feita, em decorrência do meu trabalho na Corretora Pires Germano, tive que atender a um cliente que corria o perigo de perder algumas centenas de milhares de dólares. Uma carga de fertilizante, por ele importada dos Estados Unidos, chegara ao Porto de Santos com atraso de dez dias, o que implicaria na atualização da cotação da moeda americana, desde o dia do fechamento do contrato cambial até a data do desembarque do fertilizante. Em busca de explicação para a falta da pontualidade na chegada da mercadoria no Brasil, identifiquei uma greve em um porto mexicano, justo no período em que o navio lá aportou. Apresentei a defesa junto à Cacex (a Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil – à época ainda não havia o Banco Central), sob alegação de que não teria havido incúria ou negligência por parte de importador, fato que foi aceito.

O escritório comemorou o resultado com um almoço no Hotel Othon, na praça do Patriarca. Ganhei um relógio como troféu do feito, além da minha comissão regulamentar. Eu estava feliz; tinha dinheiro no bolso, relógio novo no pulso e passei a ser conhecido pelos meus colegas como o “descobridor de ocorrências favoráveis”. Querer mais, o que?

Eis que, na semana seguinte, eu e diretores da corretora, fomos convidados para jantar na casa do cliente importador dos fertilizantes. O convite veio em um envelope preto, o cartão era cinza e escrito à mão. Claro que aceitamos. A mansão do magnata, como não poderia deixar de ser, era na região dos Jardins, a mais nobre da capital paulista. Lá chegamos na hora marcada, pois um atraso poderia ser tomado como uma desfeita. A mesa estava pronta para dez pessoas e fomos informados de que seria recomendado não falarmos em negócios.

No pré-ágape fomos servidos com doses generosas do whisky Royal Salute e petiscos de caviar, os quais eu só conhecia de ouvir dizer. No jantar, a “pièce de résistance” era escalope de faisão.

Note-se que naqueles anos era proibida a importação de artigos de luxo. E nada mais conceituava luxo que Royal Salete, caviar e faisão, artigos que eram obtidos por compra junto a funcionários de consulados de países do terceiro mundo, como nós. Deliciamo-nos e até fomos beberrões e glutões.

Para não denotar ou deixar indícios de pobreza social, não comentei nada do jantar com meus colegas do escritório. Mas, em particular, compartilho com vocês minhas impressões. Gostei da maneira como fomos servidos, das louças, dos talheres de prata legítima e dos cristais finíssimos. Adorei as bebidas, especialmente o whisky. O caviar, nem tanto. Tinha cheiro e gosto esquisitos, talvez eu não tenha sabido aprecia-lo por falta de costume. O faisão, mesmo refogado em um espesso molho agridolce, pareceu-me meio seco. Preferia o frango que minha mãe preparava, assado com queijo do reino ralado e regado com um caldo de cheiro-verde, salsa, cebolinha e outros temperos que nunca soube quais.

 Não sinto falta do Royal Salute, do caviar e do faisão. Só sinto saudades de minha mãe.

 

*Publicado originalmente em Tribuna do Norte. Natal, 18 mar. 2022

 

 

 

 

 

 

Tomislav R. Femenick – Jornalista

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *