RUAS, PRAÇAS e SHOPPINGS –
O amigo poeta Chico Potengy [César Barbosa] postou recentemente uma descrição do comportamento dos habitantes de Natal na época em que as pessoas ainda saíam às ruas, ocupavam as calçadas, visitavam as lojas dos nossos centros comerciais, os bares, os restaurantes e as lanchonetes, pontos obrigatórios nas noites de sábado e nas tardes de ensolarados domingos.
São oportunas reminiscências, no momento em que observamos, com olhar de obsessiva nostalgia, as mudanças no dia-a-dia da nossa outrora romântica e provinciana urbe. O mundo muda, o país muda e as cidades também. Não podemos impedir a marcha do progresso e das conquistas e alterações sociais, e até celebramos os avanços da humanidade, que já experimentou, na chamada Idade Média, a crueldade e o absolutismo de reis e imperadores e a intolerância dos tribunais eclesiásticos, nos quase 400 anos da Inquisição. A destruição fruto das guerras mundiais e regionais e a brutalidade de históricas e infames ditaduras, infelizmente, ainda nos assombram e fazem muitos embriões e candidatos a déspotas lamberem os beiços ávidos, seduzidos pelo anseio do poder incondicional e totalitário. Nesses casos, o mundo não mudou.
E enquanto lutamos para exorcizar os novos demônios que exibem patas e garras contra a tranquilidade das nossas frágeis democracias, vamos nos refugiando em um passado, onde, se não éramos felizes, pelo menos ainda tínhamos uma pureza que nos permitia atravessar os dias sem acusar o efeito das muitas dores da vida. E o tema da saudade do meu amigo é justamente a banalidade de um cotidiano menos inquieto e mais suportável, como ir ao cinema e circular nas nossas poucas e descuidadas praças, descontraidamente encher as calçadas, iniciando ou gozando namoros, em conversas de comadres e fuxicos de vizinhança, tomar um sorvete, uma vitamina, chupar um picolé, comer um sanduiche, uma pipoca, uma cocada. Porque havia tempo, espaço e o aconchego hoje usurpado pelo frenético e incontrolável digitar dos smartphones que sabotam os encontros e ameaçam a sanidade das pessoas que transformaram uma ferramenta útil em mais um membro do seu corpo. Em Natal, os pais das crianças, mesmo as mais distantes suburbanas, esforçavam-se para arrumarem os petizes e os levarem nos domingos para divertirem-se no nosso Centro, a Cidade Alta, na Praça Pedro Velho, a “Pracinha do Governador”, como alguns a chamavam. Por aqui, poucos da época não guardam uma fotografia, um “retrato”, “tirado” nos jardins, naquelas poses bisonhas, infantis, ao lado de um pé-de-fícus, no tanque das tartarugas, ou na histórica Praça Pio X, atualmente ocupada pela controversa arquitetura da nova Catedral. Nos loteamentos urbanos, terrenos destinados à construção de praças são ostensivamente desprezados. Talvez nem adiante construí-las; estariam abandonadas, como a “do Governador”, agora completamente transformada e pomposamente chamada de Praça Cívica.
Hoje, são os consagrados shopping-centers o objeto de procura e veneração de todas as classes. Confortáveis e acessíveis, oferecem atrações que simulam as antigas praças públicas, com as mesmas lojas, os mesmos bares e restaurantes e concentram várias salas de cinemas, que não tínhamos mesmo juntando todos os bairros. Então, quem vai preferir passar suas tardes de domingo circulando em praças mal cuidadas e em ruas inseguras, quando pode se divertir em um local protegido e confortável? Essas coisas obedecem a uma lógica latente do sistema capitalista: impedir o Estado de investir em escolas e hospitais obriga o cidadão a valer-se das instituições privadas; não priorizar a melhoria e otimização dos espaços comunitários induz à procura dos recursos particulares. Os shoppings [que habitualmente frequento] são exemplos dessa estratégia quase imperceptível, a que estimula a negligência do poder público em favor dos investimentos comerciais.
Alberto da Hora – escritor, cordelista, músico, cantor e regente de corais
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