SAGRAÇÃO DA PALAVRA – 

A palavra humilha e exalta, fere e restaura, degrada e enaltece, serve ao cidadão e ao poder. A palavra é sacralizada na ciência, nas artes, na literatura e na poesia.

Duas palavras deram existência à luz. Afastaram as trevas, criaram todo o universo. A palavra é mágica. E, muitas vezes, pode levá-la a vedações. Em várias religiões, inclusive as bíblicas, não se pode pronunciar o nome de Deus em vão. O profeta Ezequiel obedeceu à recomendação divina: dar vida aos esqueletos. O oráculo determinou que as ossadas encontradas fossem encarnadas. Depois soprou e lhes deu vida. O poema “Vak – A Palavra”, traduzido por Augusto de Campos, do “Rigueveda”, que se refere à deusa Vak, ensina.

Há palavras feias, agressivas, consideradas imorais. Muitas delas, que aprendemos quando criança, não poderia pronunciá-las. A minha mãe, ainda que nunca tenha feito, ameaçava lavar a minha língua com sabão.

É através da palavra que se transmite o conhecimento e que se tenta representar a emoção. As palavras harmoniosas, que soam bem aos ouvidos humanos, são preferidas para designar o nome de pessoas. Este é assunto tratado em muitas universidades. A prestigiosa Universidade de Birmingham divulgou pesquisa que exemplifica a beleza e a sonoridade dos nomes escolhidos pelos pais. Entre eles, Apolo, Amélia, Luna, Isabela, Valentina, Leila.

O som e a beleza dos nomes são utilizados por gente que quer vender também a sua imagem sonora. Muitas prostitutas mudam o nome de batismo para nomes sonoros com a intenção de facilitar atrair clientes.

O nome das pessoas não significa apenas a identificação, mas participa do destino dela. Influi no seu viver.

Na época do regime militar, fui procurado por uma pessoa que era frequentemente presa. Queria mudar o nome, que o pai, comunista, havia lhe dado, o nome próprio de Karl Marx. Na época, por lei, o prenome era imutável mesmo, ainda que ele fosse conhecido como Carlos. Perguntei a meu mestre Seabra Fagundes o que fazer. A resposta foi rápida: “Nome identifica. Deve valer o como ele é conhecido e não por mero arquivo de cartório. Vá por aí”. Deu certo. O juiz antecipou-se à mudança legal e mandou fazer a alteração requerida.

As corporações militares designam os seus membros por números e palavras simplificadas. Os códigos secretos das guerras, usualmente, utilizam nomes fictícios.

Há palavras firmes ou voláteis. O povo já estabelecia uma expressão que a palavra de determinadas pessoas é apenas um risco n’água.

Os anjos também falam. O Arcanjo Gabriel transmitiu a Maria o seu destino de ser mãe de Deus. Fra Angélico perpetuou o fato em uma das mais belas pinturas do mundo, que enriquece o convento de São Marcos em Florença.

Toda palavra dorme nos dicionários. É possível acordá-la para que possa cumprir a magia de sua missão.

 

 

 

 

Diogenes da Cunha Lima – Advogado, Poeta e Presidente da Academia de Letras do RN

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