SANDERSON NEGREIROES: ORAÇÃO DE LOUVOR – Armando Negreiros

SANDERSON NEGREIROES: ORAÇÃO DE LOUVOR –

Sanderson Negreiros – 03.07.1939* – 19.12.2017+

(20 de março de 2018)

Senhor Presidente, prezados confrades, familiares, meus senhores, minhas senhoras. Inicialmente agradeço a honra de ter sido escolhido pelo Presidente Diógenes da Cunha Lima para fazer essa Oração de Louvor – um título bem mais suave do que necrológio.

Encantou-se em 19 de dezembro de 2017 o primo e amigo José Sanderson Deodato Fernandes de Negreiros, aos 78 anos (nasceu em Ceará Mirim aos 03 de julho de 1939). Foi casado com a juíza Ângela Negreiros e pai de Rodrigo Negreiros. Depois que enviuvou de Ângela, Sanderson praticamente isolou-se do mundo. Conversar com Sanderson era sempre um prazer renovado. Cultura vasta, lia tudo e todos, escrevia uma prosa diversificada, fazia poesia com naturalidade, verve e beleza, possuía uma biblioteca de mais de vinte mil volumes. Autor de vários livros, começou aos 15 anos editando “O ritmo da busca”. Quando o meu pai, Rafael Negreiros, chegava em Natal ele fazia questão de encontrá-lo todos os dias, ocasiões em que ficava provocando para que seu Rafael contasse histórias que ele já conhecia.

Era o último fundador vivo de uma cadeira na Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL. Foi eleito em 13 de abril de 1967, aos 28 anos de idade, para a cadeira de número 40, mas, só tomou posse em 11 de dezembro de 1977. Escolheu como patrono Afonso Ligório Bezerra. Tive a honra de ser saudado por Sanderson quando tomei posse na ANRL em 14 de agosto de 2002.

“Há tempo de viver obstinadamente e tempo de esperar, paciente, que a vida nos convide ao repouso. Há tempo para lembrar os nossos mortos e tempo para compreender a vida que se inicia com a morte. Há tempo de rir e tempo de fazer que se está rindo. Há tempo de esquecer e tempo de lembrar o esquecimento sem aparecermos mudos. Há tempo de pedir e tempo de entender a recusa. Há tempo de se caminhar, recuando, e tempo de se recuar, sem abandonar a caminhada iniciada.” Pequeno trecho do artigo ‘As razões do tempo’ de Sanderson, publicado em dezembro de 2017 na Tribuna do Norte.

Estudou no Seminário São Pedro, em Natal, entre os nove e treze anos de idade, período da viuvez de seu pai, onde fez o ginásio. Cursou o segundo Grau, atual ensino médio, no Atheneu Norte-rio-grandense e, em seguida, fez os vestibulares de Direito e filosofia. Foi aprovado em ambos em primeiro lugar, escolheu pelo Curso de Direito. Era bacharel pela Faculdade de Direito de Natal, Jornalista, Auditor do Tribunal de Contas do Rio Grande do Norte, Adjunto de Promotor, Professor de “Cultura Brasileira”. Foi Secretário de Estado para Assuntos Extraordinários, no Governo do saudoso Tarcísio de Vasconcelos Maia. Foi, por quase três anos, presidente da “Fundação José Augusto”.

Em artigo do confrade Lívio Oliveira intitulado ‘Sanderson e o querer bem’ ele reproduz as palavras textuais de Sanderson: “Conheci a minha mulher na praia de Genipabu, quando eu visitava, junto com Luís Carlos Guimarães, a casa dos pais de Ângela. Um avião pequeno dava rasantes sobre o mar. Eu, que estava pensando em voltar para o Rio de Janeiro, onde estava trabalhando, avisado sobre a moça aviadora, disse logo, sob o olhar desconfiado do seu pai: – Vou casar com ela! Hoje a minha esposa é a minha conselheira espiritual, minha colaboradora, minha censora, a única pessoa que eu permito que me censure.”

Com a morte de Ângela, Sanderson, que já era de sair pouco de casa, isolou-se completamente.

Um dos maiores amigos de Sanderson foi Woden Madruga. Selecionei alguns trechos publicados no Jornal de WM:

“Nos anos 50 Natal se gabava de ter sete jornais: Tribuna do Norte, Diário de Natal, O Poti, A Ordem, O Jornal de Natal, o Jornal do Comércio e A República. Foi nesse cenário tropical, que nos idos de 1952, o adolescente José Sanderson Deodato Fernandes de Negreiros, nascido no verde vale do Ceará Mirim, deixava o Seminário São Pedro. A vocação de servir à Igreja ficou no baú das dúvidas. O jovem partiu para as incertezas da vida profana onde foi buscar a resposta à intensa curiosidade do seu espírito inquieto, perquiridor e profundamente inteligente.”

“Foi nessa quadra da vida que vi Sanderson pela primeira vez: Gordo, rosto redondo, corado, cabelos negros, lisos, lembrando um daqueles anjos barrocos com que o Aleijadinho enfeitou as igrejas de Minas Gerais.”

“Aos 16 anos estreava na literatura com o livro de poesia ‘O ritmo da busca’. Foi um agito em Natal. O poeta, então, já andava enturmado com os mais velhos, um Newton Navarro, um Dorian Gray, um Ticiano Duarte, um Luís Maranhão Filho, um Luís Carlos Guimarães, um José Daniel Diniz, um Berilo Wanderley, um Afonso Laurentino. Acho que, por aí, deve ter publicado seus primeiros poemas num suplemento literário que Luís Maranhão Filho cuidava nos Diários Associados.”

“O que eu pretendia mesmo, aqui e agora, era remexer com as lembranças do menino dos anos cinquenta, um poeta de 16 anos, já de livro publicado.”

Um pouco de genealogia para esclarecer o parentesco. O pai de Sanderson chamava-se Abílio Deodato do Nascimento e a mãe Carolina Fernandes de Negreiros. Como podemos observar, Abílio homenageava as mulheres já que colocou o sobrenome da sua mãe – Deodato – e da sua esposa – Fernandes de Negreiros – em todos os filhos. Eram irmãos de Sanderson: Nelson, desembargador; Emerson, monsenhor, passou os últimos anos na paróquia de Niteroi – RJ; Jackson, tabelião, pai de Jackson, Marckson, José Neuman e das gêmeas Margarida e Fátima; Maria Delsa e Gelsa Carolina.

A mãe de Sanderson, Carolina, era filha de Porfírio Antunes de Negreiros e Maria Alves Maia (Cocota ou Maricota Negreiros). Tinha seis irmãos Solon Fernandes de Negreiros, pai de Elizabeth, minha mãe; Manoel Fernandes de Negreiros, pai de Rafael, meu pai; Diogo, José, Seledon e Margarida. Portanto, Sanderson era primo legítimo do meu pai e da minha mãe. Depois que ficou viúvo, Abílio casou-se com Nitinha Costa e tiveram Gunderson, dentista.

Vamos curtir a prosa de Sanderson em alguns trechos do Discurso de Recepção que ele fez na minha posse:

“Eu sou o último dos que entraram nesta Academia por ordem de escolha, e não por eleição. Eu e Newton Navarro. Certa vez, quando ainda vaquejava a vida, sendo repórter do Diário de Natal, na velha avenida Rio Branco, exatamente na ladeira que se entrega à Ribeira libérrima, Manuel Rodrigues de Melo e Veríssimo de Melo procuraram-me na redação e me intimaram: “Por sistema de escolha, você, a partir deste instante, é imortal por nossa Academia Norte-rio-grandense de Letras”. Eu tinha 27 anos. Lembrei-me da boutade de Olavo Bilac: “É-se imortal porque não se tem onde cair morto”. Passei dez anos para tomar posse e, usando como hoje uso, esta beca azul com imenso medalhão medieval, tenho sido talvez o que mais tenha feito desta tribuna discursos de saudação, recepcionando os imortais que chegam.

Agora, tenho que empregar, em meio à prática estatutária e sentencional desta Casa, uma maneira menos convencional possível: saúdo um primo em segundo grau, filho de dois primos legítimos, raiz do meu chão mais verdadeiro, filho de um Rafael, numeroso de ideias e rasgos de inteligência, e de Elizabeth, madona de ternura e priora de santidade comum e cotidiana. O que me lembra o verso famoso de um poeta potiguar que devia ser famoso no mundo inteiro, chamado João Lins Caldas, que sentenciava: “Eu tenho um mundo de primos no mundo”. Todos nós somos descendentes de um tio que eu muito amei, avô de Armando. Seu nome era Manuel, que nunca foi aluno sequer do curso primário, mas era capaz de recitar Os Lusíadas, de maneira tão encantatória e eloquente, como se estivesse apostrofando de uma tribuna de júri. Vi-o, inesquecivelmente, quando eu era menino, e minha mãe me levou de Ceará-Mirim para passear em Mossoró, recitando poemas para um passarinho de sua criação e estima, parece que um concriz; recitando e dialogando como um devoto reza a Oração da Manhã. Tenho a impressão que aquela visão me encaminhou definitivamente para a Poesia.”

Vejamos os depoimentos de alguns amigos. Cláudio Emerenciano em ‘Por Deus e pelos homens’:

“Sanderson enastrou em seu viver as virtudes dos apóstolos Pedro e Paulo. Deodato – assim o chamava – herdou o significado do filho de Santo Agostinho: ‘Dado por Deus’. Eu o considerava um irmão por minha escolha voluntária, chantada numa afetividade recíproca. Deodato foi escritor, poeta, cronista, jornalista, memorialista, professor, pensador, estilista ao redigir, enfim, um dos norte-rio-grandenses mais notáveis em saber e cultura. Mas, acima de tudo, foi um cristão, que verdadeiramente amou a Deus, aos homens, à vida e à Criação em sua complexidade, beleza e simplicidade. Fui seu vizinho por mais de vinte anos. Em Morro Branco, mais precisamente na Roselândia. Dadaça, minha esposa, e Ângela, inesquecível esposa de Sanderson, não entendiam a circunstância das nossas longas conversas por telefone, que sucessivas vezes rompiam madrugadas. … Era o ‘bom samaritano’ revivido. Preocupava-se com a situação de pessoas humildes, as do seu círculo de amizade e até desconhecidos, que enfrentavam dificuldades de toda natureza. Éramos vizinhos de Carlos Lima, Geraldo Queiroz e Ivan Melo, entre outros. Mas literariamente era personagem autêntico de ‘Antígona’ de Sófocles: ‘Não nasceu para partilhar o ódio. Viveu para distribuir o amor.”

Diógenes da Cunha Lima, em depoimento:

“Sanderson era um figura singular. É impossível encontrar qualquer pessoa parecida. Também escrevia muito bem e só trouxe louros para o Rio Grande do Norte. Sua obra só tem elogios. Ele era um leitor ávido. Ninguém lia mais que Sanderson, ele se interessava por todos os assuntos”.

Na celebração dos 70 anos da ANL, José Soares Júnior escreveu dois volumes com o título “Academia Norte-rio-grandense de Letras – Ontem, Hoje e Sempre – 70 anos rumo à luz” entrevistando os imortais. Trecho da entrevista de Sanderson, respondendo à pergunta “O senhor se define como um iconoclasta?”

– Eu não sou um homem de cultura. Sou um homem de leitura. Otto Maria Carpeaux dizia que a cultura era tudo aquilo que a gente aprendia e depois esquecia. Realmente, desde os 13 anos eu li muito. Muitos autores deixaram marcas na minha formação. Sobretudo os de cunho espiritualista, oriental, a exemplo de Krishnamurti, definido por Aldous Huxley como o grande psicólogo do século XX. Leio Sai Baba. Li muito espiritismo e a teologia católica. Tenho tudo de Teilhard de Chardin. Entre os autores nacionais temos Agripino Grieco. Fui o primeiro a divulgar a Ioga no Rio Grande do Norte. Hoje, com 67 anos, descobri que a grande aventura é reler os antigos clássicos. Desejo transcender o cotidiano.
Dessa forma, caros amigos, espero ter dado uma rápida amostra do saudoso grande primo, afetivo e emotivo. Muito obrigado.

 

 

Armando Negreiros – Médico e Escritor –aafnegreiros@gmail.com
As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
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