SÁTIRAS E PILHÉRIAS DE ZÉ AREIAS –
Dizem por aí que ele era singular. Isso não é verdade. Ele era plural. Câmara Cascudo dedicou ao humorista potiguar Zé Areias e à sua família, páginas de suas memórias, “Ontem”. Era afilhado de Donana Cascudo e tinha a madrinha como soberana. Cascudo anota: “Ele era povo e falava como um personagem de Gil Vicente”. Zé Areias lhe prestava homenagens diferentes. Em silêncio, metia-se embaixo do birô do Mestre e trocava-lhe as meias. As que estavam calçadas, ele as pegava na ponta dos dedos, fazendo trejeitos, cara de nojo, jogava as meias usadas na cesta de papéis. Sem dizer palavra curvava-se e ia embora.
Muitas de suas sátiras, histórias engraçadas, fazem parte da memória coletiva. Naturalmente, com diversas versões. Algumas foram contadas por escribas: Valério Mesquita, José Alexandre Garcia, pelo jornalista paraibano Epitácio Soares, e o mais denso de todos, Verissimo de Melo. São histórias realmente deliciosas.
O deputado Djalma Marinho deu fiança ao contrato de aluguel da casa de Zé Areias. Meses depois, o nosso parlamentar encontra o afiançado.
– Zé, eu paguei três meses do seu aluguel. Por favor, não faça mais isso comigo.
– Dr. Djalma, eu sou atrevido, mas nem tanto. Como que eu poderia pagar, tendo um fiador da sua categoria? Seria uma desconsideração com o senhor.
O jurista e intelectual João Medeiros Filho, após o expediente forense, escolheu um inusitado parceiro para tomar cerveja. Enquanto bebiam, pedia a Zé Areias que inventasse as novidades do dia. O pagamento das cervejas era disputado em três lances de dados. Uma tarde, o doutor atrasou ao encontro etílico. Encontrou o parceiro que lhe avisou: “joguei, por mim e pelo senhor. Já disputamos quatro cervejas. Ganhei todas”.
Era muito difundida a frase: “cada um tem que carregar sua cruz”. Em poema famoso, o autor dessa afirmação põe na boca de Pilatos, numa tentativa de desculpar a sua mulher, que o reprovara por ter permitido a crucificação de Jesus, esta fala: “Todos nós, Miriam, temos a nossa cruz”. Assistindo uma procissão em memória do Cristo, Zé Areias versejou: “Oh! Meu bondoso Jesus /Para mim quero Justiça: / Fazei que a minha cruz / Seja feita de cortiça”.
Ao encontrar um amigo, Zé Areias ouviu dele:
– Quantas arrobas, Zé? Você tá muito pesado.
– Já sei, tua mãe reclamou.
Levava um carneiro grande e bonito para vender em uma rifa que correria pelo jogo do bicho. Ofereceu um bilhete ao senador Luiz de Barros, e este lhe perguntou quantos havia vendido. Doze? Eu compro os outros treze porque quero dar um presente a meu afilhado, filho de Roberto Freire. Saiu o resultado do sorteio e Zé Areias não apareceu. O senador mandou buscá-lo, ele chegou com um carneirinho nas mãos.
– O carneiro não é esse. É aquele grandão que você mostrou.
– Se eu fosse mentiroso, eu ia dizer que, com a chuva de ontem, o carneiro encolheu. Meu senador, se eu entregar o carneiro que facilita a venda de bilhetes, não posso mais fazer rifa.
Diogenes da Cunha Lima – Advogado, Poeta e Presidente da Academia de Letras do RN