SAUDADES DA GRAÇA –

Que saudades eu sinto da graça que se fazia antigamente. Aquela graça que era inocente, sem malícia, sem menosprezar ou magoar outras pessoas ou grupos. Não alcancei a comédia de Oscarito e Grande Otelo, mas lembro bem dos trapalhões, da Escolinha do Professor Raimundo e de Chaves. Era tudo tão leve. Até as antigas e eternas marchinhas de carnaval eram engraçadas, sem serem apelativas. Eram tempos de comedimento, de cuidado e de boas risadas. Até quando apelavam tinham um que de segredo, de recato.

Mesmo o escracho de Dercy Gonçalves, que “aparentemente chocava” a tantos, é “fichinha” diante do que somos ensinados a ouvir. E olha que Dercy fazia graça dela mesma, nunca da desgraça de ninguém.

Hoje o povo se contenta em rir da desgraça alheia, em falar mal da política, mas não fazer nada para mudá-la. As piadas machucam e são motivos para processos judiciais. A violência e o desinteresse para com o próximo povoam até os mais tímidos desenhos infantis. E todos olhamos para tudo isso e… caímos na gargalhada.

As novas gerações estão perdendo a beleza cândida do que nós vivemos e caem da infância direto para as trincheiras da “guerra adulta” sem terem oportunidade de ser crianças pelo máximo de tempo possível, sem terem oportunidade de brincar e rir…

Algumas pessoas até tentam procurar maneiras melhores de sorrir, mas se recorrerem à música… Também estão “fritas”. Se os anos setenta nos trouxeram a Tropicália, os oitenta o auge do rock nacional, os anos noventa nos trouxeram o “Tchan” e agora temos o “tchê tcherere tchê tchê…”. E assim a poesia, a beleza de mais uma arte, se esvai, perde-se num turbilhão de informações cujo teor é quase impossível acumular.

Sem querer desdenhar da chamada “cultura inútil”, que tem o seu valor claramente provado quando precisamos desopilar, o que eu quero, na verdade, é chamar atenção para o que estamos transformando em “cultura útil”, o que estamos aprendendo no cotidiano e, consequentemente, estimulando e ensinado as novas gerações a cultuarem.

O que me assusta é pensar o que as novas gerações vão ter como exemplo de arte, de entretenimento e de “faxina mental”. Porque se o que eles conhecerem como bom não for o suficiente, imagine o que usarão quando buscarem a banalidade. Se a vulgaridade e o vazio imperam agora, tremo de pensar no que vai ser o hit. Será quando teremos saudades do “aê aê aê, ô ô ô” dos nossos áridos carnavais.

 

Ana Luíza Rabelo Spenceradvogada ([email protected])

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