Dias atrás escrevi sobre a Semana Santa, e disse como meu avô, Graciano Mello, por sinal grande figura, comprava um barril de bacalhau e um saco de farinha de mandioca para dar de esmola nos dias santos. E me colocava numa cadeira ao lado para fazer a “distribuição”. Ele comprava esses produtos em firmas que se chamavam “Secos & Molhados”. E aí me lembrei de algumas dos meus tempos de trabalho na firma de meu pai. Eram grandes atacadistas, praticamente todos na Ribeira, especialmente Ruas Chile e Frei Miguelinho.
Começando pela Rua Chile, vindo da Travessa Aureliano até o porto – os trens iam até o porto, pela Rua Chile – a primeira a ser encontrada era Cunha & Maia. Os sócios eram Pedro Cunha Lima e Otacílio Maia (que construiu o cinema Rio Grande, junto com Ruy Paiva). Era uma das maiores. Diziam que seu Cunha Lima era mão de vaca. No veraneio, quase todo mundo ia para a Redinha, e a comunicação era por barco a vela. Sentava na proa e não olhava para trás, pois se houvesse algum conhecido seria quase obrigado a pagar a passagem dele. Outra história muito boa é da conversa dele com o seu fornecedor de peixe na praia. Pediu um quilo de peixe e o peixeiro, surpreso, perguntou: o senhor vai receber o Colégio Marista para o almoço? Piadas, provavelmente inventadas, mas ótimas.
Em seguida, na esquina quase em frente, ficava Luiz de Barros. Seu negócio principal era açúcar e tinha a distribuição exclusiva da Usina São Francisco. Financiava a usina durante a entressafra e assim garantia o recebimento do açúcar. Dele há tantas histórias que não vou reproduzir aqui.
Depois da Tavares de Lyra, ainda na Chile, ficavam a maioria dos grandes atacadistas. O primeiro dele era a M. Machado (Viúva Machado), cujo gerente era muito amigo de meu pai, Sr. Aníbal Correia, português, e na casa de quem nos refugiamos durante a Intentona Comunista. Firma grande e de muito prestigio, que por sinal foi roubada pelos bem-intencionados “comunistas” de então.
Quase em frente, a firma de Luiz Morelli, italiano, figura muito circunspecta, que conheci em razão de meu trabalho. De pouca conversa, mas muito educado. Dele, contam duas ótimas estórias, provavelmente inventadas. Tinha um funcionário chamado Mangabeira (que conheci), que se embriagava no fim de semana e vinha na segunda-feira ainda meio bêbado. Morelli ia aceitando isso. Mas, no dia que ele chegou na terça e ainda embriagado, chamou-o e disse: “Sr. Mangabeira, uma arvore que não dá fruto se corta pela raiz. Está despedido”. A outra é com “seu” Ignácio, com oficina na 15 de novembro, rua famosa pela boêmia. Ignácio consertava máquinas de escrever e cofres, e era especialista em abri-los, quando alguém perdia o segredo. Morelli esqueceu o código do seu e mandou chamar Ignácio que rodou o segredo para cá, rodou para lá, e abriu a porta. Muito bom, “seu” Ignácio; quanto lhe devo? Quinhentos mil réis. Está muito caro; faça um abatimento. Ignácio trancou a porta do cofre. Morelli diz: o senhor é muito afobado. Abra o cofre, ao que ele respondeu: agora é um conto de réis. Abra o cofre, “seu” Ignácio.
Existiam várias outras firmas, na Chile e depois na Frei Miguelinho. Depois eu conto.
Dalton Mello de Andrade – Escritor, ex-secretário da Educação do RN