SEIS ANOS SEM ELA – Cláudia Angelica

SEIS ANOS SEM ELA –

As vezes escuto por aí: você é destemida, corajosa… Sou nada! Se sou é porque imito a minha mãe. Que por sua vez imitou minha avó, e que hoje partiu para o plano espiritual. Uma chuva de lembranças me veio à cabeça olhando uma foto dela mais moça… 10 filhos. 10 partos normais. Um número sem fim de netos, bisnetos e lá vai fumaça… Lembro da minha avó valente como Mainha, passando pano na casa e montando guarda pra nenhum neto bagunceiro desfazer o serviço. Cozinhava panelas e panelas de feijão verde e galinha torrada. Dividia toda a “mistura” com uma destreza sem igual. Chegasse quem chegasse. Eu me perguntava: essa comida é infinita? Não era. Era o coração das encorajadas, que sempre arranjava espaço pra mais um. Mais um armador de rede, mais um lençol. Um colchão surgia do nada… E a casa da Utinga ia ficando cada vez mais cheia sem que a gente reclamasse. Talvez por isso escondesse o saco de pão em cima do guarda-roupa. Que perigo um saco de pão quentinho em cima da mesa com todos aqueles netos passando pela sala! Minha avó fazia açaí em casa e distribuía a iguaria conosco em canecas e xícaras. Simples e humilde, fazia careta, graça, imitava gente feia e colocava apelidos. Com tantos netos, não dava para colocar todos no colo. Essa era sua forma de dar carinho. Uma bobagem aqui, um doce ali… “Não diga a sua mãe!” Ela escrevia recados nas paredes com carvão. “Apague a luz”, “feche o cadeado”! E números de telefone. Eu ria. Pensava: minha avó é muito engraçada. Fazia canjica misturando aquele pesado caldeirão sem parar. Eu sou forte? Jamais conseguiria fazer aquilo. E a tarde que parecia não ter fim terminava com a mesa cheia de pratos decorados com canela. Sinto o cheiro do fogo a lenha, do banho de tanque, do orvalho da noite na varanda de cadeiras. Histórias de assombração e o sono dos justos. Sono pra mim, porque no outro dia lá estava ela dividindo o café antes de todos. E toda a luta começava novamente. Se um dia me faltar coragem, é da minha avó que quero lembrar. Valente, firme, dura na queda até o fim!
Obrigada vó! Até um dia…

 

 

Cláudia Angelica- Jornalista

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