A SENSUALIDADE NA MÚSICA –
A arte e a sensualidade, coisas do espírito, andam frequentemente de mãos dadas. Em namoro eterno, não elegem espaços para os encontros e têm, com insistência, a natureza por alcoviteira. Exemplo disso pode sair dos versos de David Mourão-Ferreira, que em “Libertação” assim canta: “Fui à praia, e vi nos limos/ a nossa vida enredada:/ ó meu amor, se fugimos/ ninguém saberá de nada”. É como se os ventos marinhos servissem de barragem a qualquer laivo de censura que porventura tentasse se abater sobre os amantes. Tão forte é esse edito de emoção daquele que considero um dos maiores poetas portugueses, que Santos Moreira deu-lhe música e Amália Rodrigues apresentou-lhe em voz e fado, com a dignidade que rodeia esse modo de canção.
A um passo está o erotismo, veias e portas por onde a alma expande vibrações, com sensorialidade tão intensa que convida música e poesia a participar do festim, com enlevo. Vem, vate Vinicius, dizer na sua “Marinha”, que “Na praia de coisas brancas/Abrem-se às ondas cativas/ Conchas brancas, coxas brancas/ Águas-vivas”, em metáfora talássica de aconchego em alva areia, beirinha d’água. Bravo!
Peles e sons em alvoroço, frenesi de vontades e de pressa, carregam com rapidez a inspiração de compositores e músicos, artífices de uma sinfonia de sussurros. “Ah, esse maldito fecho-éclair…!”. Como pode uma reclamação tão trivial conter tanta poesia? Vestir-se de canção um gesto que é próprio do desvestir-se é arte que brota da pulsação de Kleiton e Kledir, gaudérios que fizeram e fazem a trilha sonora incidental de revirados de olhos e tapetes. Vivam os dois! Ou melhor, quantos sejam: Kleiton, Kledir, olhos e tapetes! E viva Simone também, que implementou à peça uma magistral e desnuda interpretação!
Ufa! Viva a paixão, enfim!
IVAN LIRA DE CARVALHO – Professor e Juiz Federal