SER MULHER –  Flávia Arruda

SER MULHER – 

Um dia desses, num momento de reflexão, veio-me à mente, a figura de uma mulher, sendo esta, uma mulher peculiar, comum, como tantas outras, independente de classe, raça ou religião. Falo no sentido de sermos diferentes, e tão semelhantes; de sermos únicas, inseridas em culturas diversas e arraigadas de preconceitos, em todas as suas vertentes.

Pensei numa mulher nordestina, nascida em meados da ditadura militar, início dos anos 70, época de repressão, tortura, proibição da liberdade de expressão, rebeldia e machismo cultural encravados numa sociedade elitista, controlada pelos militares. Época em que as escolas ministravam a disciplina de OSPB, obrigatória no currículo ginasial, que consistia em incutir e disciplinar os alunos através de regras e normas impostas pelo regime ditatorial.

Pensei nessa mulher percorrendo seu trajeto até os dias atuais, passando por todos os perrengues, e dificuldades, que a história já registra. Passando pelas lutas sociais em busca de seus direitos, pelas lutas domésticas e familiares, para se manter firme, zelando pela sua integridade, valor e honra. Passando por humilhações, abusos e discriminações. Passando, caindo, sacodindo a poeira e, seguindo em frente, cheia de calos e cicatrizes, sem ter como evitar as marcas profundas na alma.

Vejo essa mulher, em pleno século XXI, quase ao fim de sua segunda década, numa tenaz batalha contra o preconceito. Apesar de muitas conquistas ainda estamos aquém do que nos é de direito. Direito esse que deveria ser simplesmente respeitado, sem termos que sofrer violência doméstica, feminicídio, discriminação de gênero, homofobia, gordofobia, ou seja, qualquer tipo de preconceito irracional e desumano.

Lembrei-me de minha caminhada. Nela, existia uma necessidade latente em esvair-me das dores do mundo real. Este, imprestável aos meus anseios, pensava eu. Apesar de achar, por algumas vezes, como mulher, o mundo cruel e desalmado, indubitavelmente me sustentei, por todos esses anos, na busca incessante pelo encontro de um mundo melhor. Abracei-me com a esperança, sangrei, calejei, sofri, latejei. Não desisti.

Existia uma certa ingenuidade nessa busca, já que eu tinha pureza nas minhas inquietudes. Existiam sonhos e ilusões. Existia a urgência de me encontrar com a liberdade, a liberdade de ser quem realmente sou.

A liberdade, a seu tempo, as conquistas, aos poucos, vão tomando forma, nessa construção da mulher do século XXI, com ajuda dos movimentos sociais de mulheres fortes, trazendo-nos coragem para dizer NÃO ao que não nos faz bem, tornando-nos mulheres mais independentes e seguras, mulheres empoderadas.

Nessa construção da nova mulher, tenho a felicidade de poder chegar a algumas outras mulheres, que, assim como eu, anseiam pela liberdade em sua plenitude. Isso, através de um projeto, que ainda está em maturação, portanto, no seu início de desenvolvimento.

O projeto traz, em seu bojo, a junção de duas artes: a literatura poética e a arte da fotografia, denominado: Entre versos, luz, prosa e paixão. Realizado em parceria com o Estúdio 2ellesfotografias, retrata a beleza madura de mulheres comuns, que estão no dia-dia lutando por seus espaços. São foto-poemas, com imagens sensuais versadas pelo encanto da poesia.

Revelo que, de fato, precisa ter coragem para expor a própria imagem, sabendo que essa exposição poderá dar margem, e abertura, para muitas interpretações, que nem sempre condizem com a verdade. Optei por focar na arte, e crer que ela é libertadora e que nela eu poderia me apoiar nessa busca pelo encontro de mim para comigo.

Fiz o ensaio Boudoir como mais um passo para meu crescimento, maturação, evolução. Fiz por achar que esse reconhecimento, de minha imagem, tinha ligação estreita com alguns medos e receios contidos no meu ser. Só para esclarecer: assim como recebo incentivo, recebo críticas machistas, e, pasmem, de amigas. Mas, faz parte.

Ana Cláudia Trigueiro, em sua crônica “A mulher sensual”, inspirada nas fotos do ensaio sensual que fiz, publicada na sua página pessoal do Facebook (https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=3138609082855317&id=100001187673998) foi extremamente feliz nos trazendo esses dois lados da mulher, essa dicotomia que nos povoa, nessa briga entre o que a sociedade machista nos impõe e o que somos e queremos ser. E acho que não queremos muito: queremos apenas sermos livres. O melhor de tudo é ver que pude, de alguma forma, ajudar a abrir janelas, portas, esvaziar represas que estavam encharcando o melhor de nós.

Depoimento anônimo de uma mulher deixado no Inbox, do meu Facebook, segue na íntegra:

“Bom dia! Passando para expressar minha admiração por você! Achei lindas as fotos do seu ensaio…muito empoderada! Veio-me à memória um “caso de amor” que tive, onde o meu amor tinha o dom de me fazer sentir a pior das mulheres… Se eu usasse uma roupa colada ou decotada, ele dizia: – você está parecendo uma puta/piranha. Fazia-me apagar todas as fotos das minhas redes sociais, pois condicionava isso ao “amor” que sentia por mim. E que eu fazia isso para chamar a atenção dos machos… Até meu corpo, Flávia, ele criticava, repetia inúmeras vezes que se eu engordasse mais ele me deixaria, pois é um homem preconceituoso.

Atribuía todos os adjetivos pejorativos que possa imaginar… Quando de repente a minha autoestima já não existia mais, ele dizia que só ele me quereria, dentro das minhas condições, mesmo ele sendo casado e vivendo uma vida de aparências… Eu vivi isso por mais de 4 anos… Quando me permiti viver outras experiências que ele dizia que não ser possível! Hoje ainda em processo de cicatrização, tento recuperar minha autoestima e viver livre e sem medo do que vão achar se eu coloco um biquíni, roupa decotada ou colada ao corpo, aprendendo que devo me amar em primeiro lugar e fazer o que meu coração pede. Enquanto isso, vejo ele amargurado, vivendo ao lado de quem não ama, sendo infeliz e vivendo de aparências. Ver mulheres como você só reforça que estou no caminho certo. Continue assim… sendo luz!”

 

 

 

 

Flávia Arruda – Pedagoga e escritora, autora do livro As esquinas da minha existência, flaviarruda71@gmail.com

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
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