Diógenes da Cunha Lima
O que guarda a lei domina seus instintos. Eclesiástico 21.11
Fizemos, Veríssimo de Melo e eu, uma canção com variações tonais, que diz: Não me perguntem / o que se passou / na cama bonita do amor, do amor. / Guardo o segredo do amor sem fim / faço menos que você por mim / é assunto pessoal / ninguém vai saber / o que se passou…
O silêncio é segredo de pessoa bem educada. No sânscrito, casto significou bem educado, treinado. São palavras cognatas castigar e incesto, expressões duras. Sempre houve castigo (são crimes) para o incesto, adultério, estupro, constrangimento sexual. Caíram de moda os crimes de sedução e adultério. Continua na moda o lenocínio, prescrito em linguagem envelhecida do Código Penal: “induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem”.
A castidade é a virtude oposta à luxúria. Está mesmo além do oposto. Para explicar como Maria podia ser mãe e permanecer virgem, há um verso bonito comparando com a luz que atravessa o vitral, sem quebrá-lo.
A castidade é a conduta sexual irrepreensível, que pode servir de padrão moral à sociedade. É também não tornar público o que só pode ser privado. É não escandalizar.
Percebe o poeta Carlos Drummond de Andrade:
“O que se passa na cama
É segredo de quem ama.”
A castidade para ser virtude é necessário que a pessoa decida ser, é um seu ato de vontade, guardar-se na integridade pessoal e familiar, ser livre, isenta, pura. É assim o magistério de Georges Elgozy: “A castidade só é uma virtude se ela for voluntária”.
Na Idade Média, as mulheres, mesmo com cinto de castidade, com os maridos guardando zelosamente a chave, não tinham anorexia sexual, não eram castas, simplesmente eram forçadas à abstinência. O aparelho fechado a cadeado impedia o ato sexual, revelava a submissão da mulher, confortava e tranqüilizava o marido idiota e ciumento. A pessoa privada dos prazeres sensuais por vontade de outra pessoa nem sempre é imaculada, pode até mesmo ser devassa. A infidelidade decorrente do desejo frustrado, falta de intimidade sexual, não deixa de ser infidelidade.
Moças usavam cinto da castidade com orgulho. A chave, da mão do pai passava a mão do marido para abrir a fechadura na noite de núpcias. São Gregório lembrava o cinto, cordão do padre ou do frade, cingindo os rins, como símbolo da castidade.
O comportamento deve ter suporte ético, bons costume de homens e mulheres. Todavia, São Paulo preocupou-se mais com o sexo que já chegou a ser considerado frágil: “As mulheres mais velhas devem ensinar as mais jovens a serem castas.” Timóteo 1,5.2.
O admirável e admirado médico, professor Armando J. C. Bezerra escreveu sobre Santa Águeda, mártir pela castidade. A bela moça recusou as ofertas amorosas do governador Quinciano. Sob acusação de prática cristã, foi entregue a uma prostituta para corrompê-la. Casta, recusou e foi condenada, obrigada a andar nua sobre brasas. Antes de ir para a morte na fogueira teve os seios arrancados. Perguntou ao carrasco: “Você não tem vergonha de arrancar os seios de uma mulher, se você, quando criança se alimentou nos seios de uma mulher?” Assim está em Armando no livro Admirável mundo médico. O martírio aconteceu na Sicília no ano de 254 d.C, com o imperador Décio. A história do perseguidor Décio e dos seios amputados da casta Águeda é sempre contada e recontada, até hoje, com sutis requintes.
A recusa de amor tem levado a sofrimento. Assim conta a literatura de cordel no caso das “Três irmãs que pretenderam / casar com um moço só”. Chamavam-se Rosa Dália, Rosa Amélia e Flor do Dia. As duas Rosas preteridas no amor, se enforcaram. A outra versejara: “Digo que não vejo moça / que ame que não namore”. Flor do Dia amou, namorou, casou, e entristeceu de vez com o suicídio das irmãs.
É antiga e grave a luta entre a continência e a indecência, entre ser virtuoso ou promíscuo, entre a sensualidade, beleza do amor, e a lubricidade. Há que ser casto e amoroso. Abstinência do sexo é assunto rigorosamente pessoal. O prazer do sexo só deve existir com sentimento, e é um crime se não há consentimento. Ganha-se em ser casto, explica o Padre Monte: A Castidade é a maior expressão de disciplina da sensibilidade e da harmonia da vida afetiva. A prática do sexo pode ser correta e desejável. Casta.
Diógenes da Cunha Lima – Escritor, presidente da Academia de Letras do RN
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