SINGELA E ENCANTADORA MOÇA –
Cidade de São Paulo, uma sexta-feira qualquer, de um ano da primeira metade da década de 1980. Lá de cima – da janela de uma das salas da empresa de auditoria da qual era diretor – eu via o vai-e-vem e as paradas dos carros na Av. Paulista, naquela hora já congestionada. Estava tirando os “papéis de trabalho” de minha pasta, de um serviço que estivera fazendo em um cliente, quando o telefone tocou. Pela tocata, notei que era uma chamada interna. Era o sócio principal do escritório (estranho, não era a secretária), pedindo que eu largasse tudo e fosse até sua sala.
Lá chegando, fui informado que um dos nossos maiores clientes nos tinha convidado para uma reunião urgente, às 19,30 horas daquele mesmo dia, em sua sede. Perguntei do que se tratava, pois, uma reunião àquela hora, num final de semana, era algo inusitado. Ele também não sabia. Disse apenas que profissionais de outras áreas também tinham sido convocados.
Ao chegarmos, fomos encaminhados à sala de reunião e lá nos deparamos com advogados, consultores financeiros, gerentes de departamentos e alguns familiares dos sócios: dois cunhados e dois irmãos. Em uma mesa havia whisky, gelo e alguns sanduíches. Instantes depois entrou o diretor-presidente. Cumprimentou todo mundo, pediu desculpas pelo importuno, ressaltou a importância do segredo para o fato que ele iria relatar e passou a explicar a situação.
Contou o seguinte: havia cerca de um mês, ele estava no Rio de Janeiro a negócio, hospedado em um determinado hotel e foi até o bar, tomar uns drinques antes do jantar. Lá encontrou uma moça, com quem começou a conversar. No dia seguinte, o encontro se repetiu e terminou acontecendo uma cena de amor. Ela se dizia comerciante em Goiana, casada, e se mostrava preocupada com aquela situação. No terceiro dia, ela apareceu sem o relógio e disse que o tinha quebrado ao descer de um táxi. Querendo ser simpático, o “amado amante” gentilmente se ofereceu para comprar um novo, ali mesmo na joalheria que existia no hotel. Comprou e deu a Nota Fiscal (que estava em seu nome) àquela singela e encantadora moça.
Todos nós entendemos o caso, mas não sabíamos por que estávamos naquela reunião e o que nós tínhamos a ver com isso aquilo tudo. Aí veio a explicação: “aquela singela e encantadora moça” estava exigindo dez mil dólares para não relevar tudo à sua esposa, exibindo o presente, a nota fiscal e a nota do cartão de crédito, que tinham ficado com ela, para fazer valer a garantia do relógio, se necessário fosse. O prazo de quinze dias, para o pagamento, se espirar-se-ia logo. Ele já tinha contratado um detetive particular para investigá-la, porém deu em nada. Era uma perfeita desconhecida.
Por outro lado, a sua esposa era bem conhecida pelos espasmos de violência, quando contrariada. Todo mundo sabia pelos menos três casos: enfrentou a diretoria de um colégio famoso, quando um dos seus filhos foi suspenso por indisciplina; discutiu no meio da rua, quando foi multada por um guarda de trânsito, e brigou com uma vizinha, até forçá-la a vender seu imóvel, para ali alojar sua irmã.
Ele nos deu meia hora para pensar na situação e sugerir o que fazer. Não foi preciso nem um minuto. Por unanimidade, sugerimos pagar a chantagem, desde que fosse no escritório de um dos advogados e gravando tudo, para que a vigarice não se reprisasse e, também, para que ele não repetisse a traição, com quem quer que fosse. Todos os profissionais presentes foram autorizados a cobrar as horas gastas na “consultoria”. Ninguém cobrou.
Passados alguns anos, de forma imprevista, encontrei-me com o já ex-cliente. Conversa para lá e para cá, perguntei como tinha terminado seu “affaire”. Respondeu-me rápido: “Minha ex-mulher traiu-me com o meu advogado, tive que sair de casa, a firma foi cindida, fiquei com a parte menor, e meus filhos acham que eu sou o culpado de tudo”.
*Publicado originalmente em Tribuna do Norte. Natal, 1º abr. 2022
Tomislav R. Femenick – Auditor Contábil