SOBRE AS ARMAS –
Um dos mais eloquentes emblemas da crueldade humana são as armas. Um samba de Noel Rosa exalta – ou ironiza – a força de uma arma: “… E no século do progresso, o revólver teve ingresso pra acabar com a valentia”.
A obra “2001 – Uma Odisseia no Espaço” (no filme de Kubrick) propõe em uma sequência, a ideia do surgimento da primeira arma no mundo. Após esmagar com um osso o resto de um esqueleto animal, um hominídeo o utiliza para abater um animal de caça. Outro, enfurecido em meio a primitiva e acirrada disputa gestual, lança mão de uma mesma peça e derruba seu antagonista, acertando-lhe a cabeça.
As armas, principalmente as “de fogo” tornaram-se apanágio dos covardes, que não querendo se arriscar num entrevero corpo-a-corpo, preferem, de longe, disparar um projétil e preservar a sua integridade; atingir o inimigo sem ser molestado. No passado, com as guerras travadas frente a frente, a maioria dos combatentes dava mais provas de coragem; até alguns reis e comandantes iam adiante das tropas, como exemplo de bravura. Mas naquela época eram as espadas, as setas e as lanças que faziam a diferença. Se pudessem, os antigos teriam usado metralhadoras, bombas e canhões, as mesmas armas de hoje.
Em certo período da infância, quando ganhamos do fabricante um brinde composto de chapéu, cinto, cartucheira e revólver de Patrulheiro Toddy, a minha mãe foi alertada por um diligente vizinho, que via no interesse pelas armas de brinquedo um perigo potencial. O prazer de dar tiros imaginários poderia nos levar a um comportamento violento no futuro, assim dizia Seu Possidônio. Ela relevou o conselho, garantindo que com zelo paternal, cuidados e educação, não havia por que temer consequências desastrosas.
Acertou, pelo menos com relação aos seus filhos. A partir de mim mesmo, não lembro de nenhum irmão interessado em andar armado ou disposto a sair dando tiros, com ou sem motivo. Durante a militância política dos anos de chumbo eu até desconsiderava as intenções daqueles mais carbonários, que defendiam o uso das armas para conseguir seus objetivos. Sempre acreditei na força da palavra e do convencimento pacífico para tentar mudar as situações. Talvez estivesse certo.
Eu até já possuí um revólver; um calibre 38, presenteado por um membro da família, convencido de que eu deveria ter essa arma em casa – afinal, em tempos inseguros, violentos, não custa dispor de uma proteção a mais. O único uso que eu lhe dei foi negociando sua venda a terceiros, e tentando extrair as grossas camadas de ferrugem que absorveu nos muitos anos em que passou esquecido num canto escuro e seguro de um guarda-roupas.
O mundo, porém, é diferente. Os homens, os governantes, aqueles que decidem os nossos destinos, não querem prescindir dos artefatos bélicos para resolverem suas diferenças. Sob o pretexto de acabar a Segunda Guerra os Estados Unidos dizimaram a população civil de duas cidades japonesas, com suas bombas atômicas. A ameaça de uma guerra nuclear foi um dos motivos para a chamada Guerra Fria, entre os EUA e a União Soviética. Velhos e novos adversários integram hoje a relação de inimigos potenciais, ditos capazes de provocar, pelo uso de potentes armamentos, a destruição da humanidade. Acusam-se mutuamente, enquanto engordam os próprios arsenais com suas armas nucleares, químicas e cibernéticas.
No Brasil, animados com intenções e projetos do Governo, muitos cidadãos veem-se excitados com a possibilidade de também manter uma arma particular, alegando necessidade de segurança individual. Considero uma temeridade, por perceber que ainda não conseguimos resolver antigas e recentes diferenças político-ideológicas e muitos dos nossos históricos e mais graves preconceitos sociais.
Alberto da Hora – escritor, cordelista, músico, cantor e regente de corais
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