Rinaldo Barros (*)
Ninguém discute que o presidente Lula foi importante para que o patropi espantasse o complexo de vira-lata que o saudoso Nelson Rodrigues havia incrustado n’alma do brasileiro.
Relembro também Mário de Andrade, em sua constatação sobre a metáfora do brasileiro como Macunaíma, o retrato cultural do povo brasileiro.
Vejam se não é a cara do Lula: segundo Mário, o brasileiro é “índio branco, feiticeiro, mau caráter, preguiçoso, mentiroso, egoísta, gozador, capaz de rir de si próprio e de nunca perder uma piada”.
Lamentavelmente, este é um terreno bastante fértil para, frente à impunidade, florescer atos de corrupção, praticados com naturalidade, sem que sejam vinculados com a questão da ética ou com a moral vigente. Um passo para aceitar e praticar a corrupção em geral, em todos os segmentos e níveis.
O povo brasileiro capacitou-se a conviver “espertamente” com situações adversas de exploração, violência, corrupção, miséria moral, discriminação, desemprego, analfabetismo, utilizando-se das armas ou mecanismos psicológicos os mais diversos.
Além disso, Gilberto Freire ensinou que “a família patriarcal determinou toda nossa estrutura social e as relações com o poder público”. Formou-se sociologicamente “uma invasão do público pelo privado, do Estado pela Família”.
Ou seja, o nepotismo e a corrupção eleitoral são culturalmente aceitos pela imensa maioria da população, como algo “natural”, são instituições antropológicas da nossa mestiçagem.
Acrescente-se a isto o fato de que mais de 70% do eleitorado é formado por analfabetos funcionais (lê, mas não entende), e ainda, que os milhões de excluídos possuem apenas um único compromisso, que é consigo mesmo, com sua sobrevivência; ou seja, são facilmente corruptíveis.
E, sob outra ótica, relembro que a história contemporânea nos levou ao término da onda industrial, à universalização da sociedade da informação (dominada pelo grande capital financeiro internacional), aos lucros astronômicos das grandes instituições financeiras, fenômeno que fez explodir o estoque de recursos financeiros, dos quais uma boa parte tem se destinado a perigosas especulações de curtíssimo prazo.
Explico melhor: onde houver juro alto (entenderam agora o porquê dos juros altos?) ele, o especulador, estará lá; sem nenhum compromisso com o desenvolvimento local. É o capital volátil.
Lula, espertamente, conseguiu apoio dos dois pólos que decidem uma eleição: 1) engabelou grande parte dos milhões de pobres e excluídos, com políticas compensatórias, tipo Bolsa-Família e; 2) obedeceu aos ditames da banca internacional, coordenadora da especulação; ganhando a confiança das “zelites”.
Mas, contraditoriamente, Lula não teve vontade, coragem ou competência para implantar reforma alguma no patropi, pois as reformas política, agrária, tributária, universitária, urbana e trabalhista nunca saíram do papel; sem falar que a educação, a saúde e a segurança estão piores do que nunca.
Há quem defenda que o lulismo despolitiza o eleitorado e até mesmo quem o considere uma espécie de neoperonismo ou neopopulismo. Somente o futuro levantará este véu para revelar sua verdadeira face.
Cá no meu canto, fico assuntando que o lulismo mistura elementos da direita e da esquerda.
Ao tempo em que consegue certa transformação, com ascensão social (o que poderia ser considerado uma ação de esquerda), conquista a confiança da classe dominante e dos militares, mantendo a ordem sem acirrar conflitos, e protege o lucro das grandes empresas; principalmente, o lucro do sistema financeiro.
Mais arriscado ainda: é possível pensar que o êxito eleitoral, nos últimos 12 anos, fez subir à cabeça do ex-presidente o sentimento de que realmente ele pode tudo e mais um pouco; fazendo-o agir como um “pitbull” que procura “morder” os adversários em nome de uma tentativa de “poder total”.
Fecha-se agora o ciclo aberto com a Carta ao Povo Brasileiro (escrita em 22 de junho de 2002), na qual o PT rasgou seus princípios, e ajoelhou-se. Um fato, pelo menos, é evidente: o Lula que “lutou contra a ditadura” nos anos de chumbo não existe mais, morreu desde 2002. Parece que o castigo veio a cavalo.
O PT governo viveu, na semana em que escrevo, uma reprovação inédita das contas de 2014 pelo TCU, somada à decisão do TSE em investigar as suspeitíssimas contas da campanha para reeleição da atual (ainda) presidente. Sem maioria no Parlamento, o governo Dilma está à beira do precipício.
Na verdade, Dilma não tem nem mesmo o comando político do governo, que hoje está nas mãos de um consórcio lulopeemedebista, o qual dirigirá o País, pelo menos, até que decidam que não precisam mais um do outro. Para completar, a economia brasileira entrou em recessão, com todas as suas mazelas.
A única certeza ante tantos descaminhos é que os sonhos de toda uma geração foram atirados na lata do lixo da História.
(*) Rinaldo Barros – escritor e professor – rb@opiniaopolitica.com
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