SOPA DE CAFÉ –
Para alguns a infância tem gosto de sopa de letrinhas. Para outros, sopa de feijão ou canja de galinha. Para mim, tem gosto de sopa de café. Daquela bolacha cream cracker quebrada dentro da xícara e um pouquinho de manteiga. Mistura tudo com café e… Sopa de café! Todos os dias à tarde, mamãe faz café. Depois da aposentadoria, papai ficou responsável por fazer, sempre fraco, levando-me a chamar de chafé. Não importa. Pão francês, um bolinho e bolacha em mesa. É hora de rir, de conversar, fofocar um pouco (sejamos honestos).
Na infância, durante a semana, normalmente éramos sós eu e mamãe. Ela fazia o café, me chamava e, enquanto ela falava de sua infância e da saudade de Nova Friburgo, onde nascemos, eu quebrava as bolachas em minha xícara com café. Ela colocava a colherzinha de manteiga que era o toque especial. Continuávamos a conversa…
Na adolescência aquela sopinha não mais fez parte da “dieta”. Esteticamente não é atraente e não muito educado fazer isto em público. Os cafés continuaram e agora acompanhando pão, fresquinho, comprado nas padarias do bairro. Todas as amigas que iam lá para casa falam nisso até hoje. Mamãe aconselhou a todas sobre namoros, relacionamento com seus pais, escutava falar sobre os professores. Uma terapia. Muitas vezes, acredito, as amigas iam lá para casa mais para ter tempo com mamãe do que comigo. Nunca me incomodou, pois também precisava destes momentos. Mamãe sempre acolheu, sempre se fez amiga.
Hoje ela diz que devia ter sido mais mãe que amiga. Duvido que ela acredite nisso, mas concordo… Rindo! Ela sabe que não é verdade. Ser assim tornou nossa relação maravilhosa. É o que me permite ligar e falar “Maria! Conta os babados!”. E, ao final da ligação pedir a benção. E quando saio da casa deles dou a cabeça para mamãe e papai beijarem.
Amanhã será dia das mães e não posso abraçar nem beijar. Que droga! Perdoe-me o desabafo. Quero dar uma passadinha lá na rua, buzinar e pedir para ela e papai saírem só para eu vê-los, saber que está tudo bem.
Ontem fiz minha sopinha versão gourmet: não esmaguei bolachas, só “molhei” no café, e todas estas lembranças reacenderam em mim. O café tem acontecido lá na casa de meus pais, com mamãe e papai e seus chafés. Tem acontecido aqui em casa, com Flavinho fazendo café e eu me permitindo molhar minha bolachinha ou pãozinho, rindo em nossas conversas. São momentos leves que nos permitimos ter todos os dias. Abençoados momentos leves!
Mesmo não sendo permitido pela etiqueta este tipo de coisa eu faço! Não por estar em casa! Mas, por estar ao lado de quem confio e amo. Porque este gesto que me leva a recordar a infância e parece ser tão “inconveniente” para muitos, para mim mostra confiança e intimidade. Sim, só a confiança nos permite sermos nós mesmos, sem máscaras, sem filtros. Nas menores coisas, nas maiores também…
Mãe, pai, que saudade de vocês, de nossos cafés! De sentarmos à mesa e mamãe ser a última a chegar, pois ainda está procurando coisinhas gostosas para encher a mesa. Um chocolate para um neto, uma bala para outro. Saudade de tomarmos café falando alto e, ao final, pedir a papai para fazer a limonada da meia-noite às 17h e ele fazer de conta que isso é chato, mas vai para a cozinha feliz, volta com a jarra cheia, e pergunta se não exagerou no açúcar.
Passa logo, tempo! Pela primeira vez te peço! Passa e deixa a gente acordar disso tudo e tomar muito café com quem amamos.
Bárbara Seabra – Cirurgiã-dentista e professora universitária