Um dia depois, a Justiça de São Paulo negou o pedido. O juiz Leonardo Fernandes dos Santos, da 1ª Vara de Falências de São Paulo, apontou falta de informações e pediu uma perícia sobre a documentação apresentada pela companhia.
Em sua última decisão, na terça-feira (7), o magistrado antecipou parcialmente os efeitos da recuperação judicial — o que, na prática, protege temporariamente parte do patrimônio da empresa.
O pedido de recuperação, no entanto, ainda não foi aceito, e o processo segue em análise.
Enquanto isso, há registros de fechamento de mais de 40 lojas da Starbucks no país. Ao todo, a rede tinha 187 unidades em operação no Brasil. Agora, são 144 em atividade.
Procurada pelo g1, a empresa não se manifestou sobre os estabelecimentos fechados.
No documento apresentado à Justiça, a companhia afirmou estar enfrentando uma crise econômico-financeira e listou uma série de fatores para justificar a atual situação e o pedido de recuperação. Entre eles:
Segundo a companhia, todo esse cenário gerou uma “crise sem precedentes” e, embora tenha tentado se “reerguer”, os resultados financeiros dos últimos anos foram de “elevados prejuízos”.
“Desse modo, é evidente que o excesso de endividamento, a baixa lucratividade decorrente do fechamento de seus restaurantes (…) e impossibilidade de obtenção de novas linhas de crédito comprometeram a capacidade de as requerentes [empresas do grupo SouthRock] honrarem seus compromissos financeiros conforme pactuados”, diz o documento.
O pedido de recuperação protocolado na Justiça aponta que a SouthRock tem um total de R$ 1,8 bilhão em dívidas. Não foi divulgada a lista de credores.
De acordo com o documento, 80% do endividamento tem origem em “operações que foram garantidas por cessões fiduciárias de recebíveis oriundos das receitas de seus restaurantes”.
Isso significa que a maior parte das dívidas da empresa está vinculada ao dinheiro (crédito) que ela tem a receber, mas que já está comprometido como garantia futura de pagamento para seus credores e fornecedores.
No pedido de recuperação judicial, os advogados da companhia também afirmaram que o grupo fez “vultuosos investimentos e tomou dívidas milionárias para possibilitar a exploração” da marca Starbucks no Brasil.
A recuperação judicial serve para evitar que uma empresa em dificuldade financeira feche as portas.
É um processo pelo qual a companhia endividada consegue um prazo para continuar operando enquanto negocia com seus credores, sob mediação da Justiça. As dívidas ficam congeladas por 180 dias, e a operação é mantida.
Significa, portanto, que a companhia deixa de pagar valores devidos a credores e fornecedores por pelo menos seis meses.
Ao pedir mais elementos para avaliação, o juiz Leonardo Fernandes dos Santos, da 1ª Vara de Falências de São Paulo, mencionou os impactos do processo.
“O simples deferimento do processamento da recuperação judicial, por si só, gera como consequência automática a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor pelo prazo de 180 dias, dentre outras consequências legais importantes”, disse, em decisão.
Pelo menos 43 lojas da Starbucks fecharam no Brasil desde o pedido de recuperação judicial. É o que apontam dados que constam no site da marca e no processo de recuperação judicial.
No documento, enviado à Justiça em 31 de outubro, a SouthRock aponta 187 lojas próprias da Starbucks em funcionamento no país.
No mapa oficial de estabelecimentos da marca, no entanto, restam apenas 144 estabelecimentos ativos, conforme consulta realizada pelo g1 até a última atualização desta reportagem.
Entre as baixas, está a icônica loja da Alameda Santos, próxima à Avenida Paulista, em São Paulo. Há também registros de fechamento de lojas em capitais como Rio de Janeiro, Porto Alegre e Belo Horizonte.
A operadora da cafeteria no Brasil, no entanto, disse não reconhecer como válida a notificação, já que “não foi realizada em observância à legislação vigente”. Afirmou ainda que adotará “todas as providências e medidas judiciais adequadas no tempo e modo oportunos”.
“Por não considerarem a notificação recebida como o instrumento adequado e necessário à efetiva rescisão dos Acordos de Licença Starbucks, as Requerentes [empresas do grupo SouthRock] também entendem inexistentes quaisquer efeitos dela decorrentes – matéria que, frise-se, deverá ser tratada pelos interessados nas vias processuais adequadas”, escreveram os advogados da companhia.
O acordo de licenciamento e o início das operações da rede de cafeterias pela SouthRock no país ocorreram em 2018. O valor do negócio não foi revelado na ocasião.
Além do direito exclusivo de operar as lojas, a SouthRock passou a pagar à Starbucks taxas de licenciamento sobre as vendas — parte do acordo que estaria resultando nos entraves atuais.
A companhia informou que tem um faturamento bruto mensal de R$ 50 milhões com as lojas da Starbucks, montante que representa “relevantíssima parcela” de seu fluxo de caixa consolidado.
De acordo com a SouthRock, a operação das unidades da Starbucks “consiste em um dos seus maiores ativos”.
O documento apresentado à Justiça indica que sim. A companhia afirmou que, com o fim do licenciamento, “não restou alternativa senão a apresentação do presente requerimento”.
Na peça, a empresa ainda argumentou que, sem a proteção de uma recuperação judicial, experimentará “o verdadeiro estrangulamento de seu fluxo de caixa”. E citou “o perigo de dano”.
“Caso as Requerentes [empresas do grupo SouthRock] sejam impedidas de operarem as lojas Starbucks, terão seu fluxo de caixa drástica e repentinamente reduzido, justamente durante a crise mais grave vivenciada em sua história, prejudicando todas as negociações que até então vinham sendo travadas com seus demais credores.“
A empresa não falou abertamente sobre o tema. A análise de especialistas, entretanto, é que é muito improvável que a marca feche as portas no país.
Brenno Mussolin Nogueira, especialista em insolvência do Rayes & Fagundes Advogados, destaca que há pelo menos três caminhos para que a Starbucks continue com suas lojas abertas:
“A Starbucks também tem a possibilidade de entrar com uma ação no Brasil dizendo que a SouthRock está operando indevidamente com sua marca. Mas isso ainda precisa ser deliberado para que possamos ter uma visão melhor do que pode acontecer”, conclui.
Procurada, a Starbucks norte-americana disse que está ciente sobre a “reestruturação de negócios” da SouthRock e que não irá comentar discussões internas sobre licenciamento de parceiros.
Para ele, a última opção é a mais provável, uma vez que a cafeteria já “caiu nas graças” do público brasileiro.
“Ao perceber que o país acolheu a marca, a Starbucks pode decidir vir com sua própria empresa. A nossa aposta, portanto, é que ela continue no Brasil. A única questão é saber se a SouthRock continua, se já há outra empresa em negociação ou se ela mesma assume as operações”, diz.
Ainda segundo o advogado, é difícil prever o resultado do pedido de rompimento de contrato entre a Starbucks e a operadora da empresa no Brasil. O processo dependerá de detalhes contratuais que não foram tornados públicos.
Um ponto crucial, aponta o especialista, é saber se o contrato está atrelado à legislação brasileira ou à norte-americana, que possuem distinções.
“Se for pela legislação brasileira, é muito possível que, em um primeiro momento, a utilização da marca continue com a SouthRock. Se for pela norte-americana, entra em um embate maior em relação às leis”, diz.
Para Brenno Nogueira, se o contrato estiver ancorado na legislação dos Estados Unidos, é provável que o pedido de rompimento da licença atual seja acatado.
“A Starbucks também tem a possibilidade de entrar com uma ação no Brasil dizendo que a SouthRock está operando indevidamente com sua marca. Mas isso ainda precisa ser deliberado para que possamos ter uma visão melhor do que pode acontecer”, conclui.
Fonte: G1
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