Manifestantes sudaneses se mantiveram nas ruas do país nesta terça-feira (26), em protesto contra o golpe militar comandado pelo general Abdel-Fattah Burhan.
Houve confrontos entre soldados e civis durante as manifestações, deixando ao menos sete mortos a tiros e 140 feridos, relatou a agência de notícias Reuters, citando o Ministério da Saúde do Sudão.
“Retornar ao passado não é uma opção”, gritava a multidão, que continuou a protestar nas ruas apesar dos relatos de violência fatal por parte dos soldados nos atos.
Na segunda-feira (25), Burhan decretou estado de emergência em todo o país e dissolveu o chamado Conselho Soberano, um corpo formado por civis e militares e chefiado por ele próprio, e também o governo de transição, comandado pelo primeiro-ministro interino, Abdalla Hamdok.
Militares detiveram Hamdok, a maioria dos ministros de sua administração, líderes de partidos pró-governo e membros civis do Conselho Soberano, criado em 2019 após a queda do ditador Omar al-Bashir, que comandou o Sudão por 30 anos.
O golpe ocorre na esteira de crescentes desentendimentos entre os líderes civis e militares do país, que deveriam partilhar o poder depois que Bashir foi derrubado. Desde então, o Sudão vinha sendo governado por uma administração civil-militar de transição, até que um governo civil pudesse ser eleito.
Ao comandar o golpe, Burhan prometeu concluir a transferência de poder para um governo civil eleito até julho de 2023. “O que o país vive agora é uma ameaça real e um perigo para os sonhos da juventude e as esperanças da nação”, declarou o general, justificando que o Exército tomou as medidas necessárias “para retificar o curso da revolução”.
‘Governo civil é escolha do povo’
Os confrontos eclodiram na capital sudanesa, Cartum, logo após seu discurso. Manifestantes usaram pneus para criar barricadas em chamas nas ruas e entoavam gritos em apoio ao governo civil, quando foram repreendidos duramente pelos militares.
“O governo civil é a escolha do povo”, gritavam os sudaneses presentes. “Burhan não pode nos enganar. Este é um golpe militar”, disse um jovem manifestante à agência de notícias AFP. “Não aceitaremos o regime militar e estamos prontos para dar nossas vidas pela transição democrática no Sudão”, declarou outro.
O Ministério da Informação, que ainda é leal ao primeiro-ministro interino deposto Hamdok, afirmou que os soldados “dispararam contra os manifestantes […] do lado de fora do quartel-general do Exército”, deixando dezenas de feridos e alguns mortos.
As telecomunicações foram interrompidas no país após o golpe militar, informou uma testemunha à Reuters nesta terça, embora não tenha havido uma confirmação oficial sobre os cortes. Serviços de internet e telefone teriam sido severamente limitados.
Condenação da comunidade internacional
O golpe militar provocou reação internacional imediata. O Conselho de Segurança das Nações Unidas agendou uma reunião de emergência a portas fechadas para discutir o caso nesta terça, após vários países membros, incluindo Estados Unidos, Reino Unido, França e Noruega, solicitarem consultas.
Em comunicado, o secretário-geral da ONU, António Guterres, condenou o “golpe de Estado militar em curso” e afirmou que a detenção de líderes civis é “ilegal”. Ele pediu ainda a “libertação imediata” de Hamdok, que é um ex-funcionário sênior das Nações Unidas.
A alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, alertou que o Sudão corre o risco de retornar à opressão. “Seria desastroso se o Sudão retrocedesse depois de finalmente pôr fim a décadas de ditadura repressiva”, afirmou.
Os Estados Unidos, um dos principais apoiadores do processo de transição no Sudão, “condenaram veementemente as ações militares sudanesas” e suspenderam US$ 700 milhões em ajuda.
Em comunicado, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, pediu a restauração imediata do governo de transição liderado por civis e expressou preocupação com relatos de que soldados usaram munição real contra os manifestantes.
Um grupo de países anteriormente envolvidos na mediação de conflitos sudaneses – EUA, Reino Unido e Noruega – disse que “as ações dos militares representam uma traição à revolução, à transição e aos pedidos legítimos do povo sudanês por paz, justiça e desenvolvimento econômico”.
A União Europeia (UE) apelou à libertação dos líderes civis do Sudão e insistiu que “a violência e o derramamento de sangue devem ser evitados”.
“A UE está muito preocupada com o fato de as forças militares do Sudão supostamente colocarem o primeiro-ministro Hamdok em prisão domiciliar, bem como prenderem outros membros da liderança civil, e pedimos a rápida libertação deles”, disse a jornalistas a porta-voz da Comissão Europeia, Nabila Massrali.
A Alemanha também condenou as ações militares, pedindo seu “fim imediato”. “A notícia de uma nova tentativa de golpe no Sudão é preocupante”, disse o ministro alemão do Exterior, Heiko Maas, em comunicado. “Apelo a todos no Sudão responsáveis pela segurança e ordem para continuarem a transição do Sudão para a democracia e respeitarem a vontade do povo.”
A Liga Árabe exortou todos os lados a aderirem ao acordo de divisão de poder firmado em agosto de 2019. “O secretário-geral da Liga Árabe, Ahmed Aboul Gheit, expressou profunda preocupação com os acontecimentos no Sudão”, disse o bloco em comunicado.
O líder da Comissão da União Africana, Moussa Faki, apelou ao diálogo. “O presidente pede a retomada imediata das consultas entre civis e militares no âmbito da declaração política e do decreto constitucional”, disse Faki em comunicado no Twitter.
Fonte: G1