SURTOS –
Havia centenas deles. Não, eram milhares, todos em bandos. Brancos, transparentes, vermelhos, azuis, negros, tinham até amarelos com listras pretas – que nem abelhas. Aqueles aracnídeos eram cuspidos, como numa erupção vulcânica, por detrás do fogão de ferro da velha casa – depois de serem enxotados de seu esconderijo por um balde de água.
A intenção era de lavar a decadente casa rural, mas demos de cara com aqueles seres minúsculos e aterrorizantes de corpos alongados e caldas compridas com ferrões na ponta. Os palpos com imensas pinças pareciam saídos de um projeto inacabado de caranguejo.
Os escorpiões se espalharam, rapidamente, por todos os cômodos do casebre. Eles estavam no banheiro, na sala, no corredor, na cozinha, próximos da geladeira. Davam a impressão de imitar pererecas, pulando em nossa direção. Eu estava em pânico sem saber o que fazer.
O percurso até a porta de saída havia sido tomado por eles, pelo pelotão de frente. Sim, havia um pelotão de frente. O exército estava bem treinado e melhor ainda posicionado, nos intimidando com olhares de quinze para as três horas, com suas rabiolas apontadas para nós como flechas.
Pensei: pelo corredor, sem chance de fuga. Mirei uma janela que dava frente para o banheiro, porém, também estava tomada pelos predadores – sabiam que escorpiões são carnívoros?
Senti um frio me percorrer a espinha. Achei que havia sido capturado por alguns deles, mas, graças a Deus, era o frio vindo da geladeira que se encontrava com a porta aberta. Nesse instante, vi minhas crias entretidas com o mundo cibernético. Pode uma coisa dessas? Eu ali dando um passamento de medo, enquanto elas checavam os últimos e-mails, as mensagens do Whattsapp e as últimas postagens do Facebook.
Como se não bastasse, avistei o meu marido em pé, escorado na porta do banheiro, ao celular, gargalhando ao relatar todo o perrengue pelo o qual estávamos passando. Parecia divertir-se com todo o acontecido.
A cada segundo que se passava mais eu me desesperava. Olhava para um lado e para o outro, não via sequer uma cadeira onde eu me trepasse para sentir segurança. Ver aquelas criaturas abomináveis dominando meu habitat natural, causava-me angústia e uma desesperança de sair dali viva.
Pensei em gritar um pedido de socorro. Até o ensaiei. Enchi o peito de ar e apenas… Grasnei. Foi o máximo que consegui. Estava sem voz, ela fora tomada pelo medo dos lacraus.
Quando todos os escorpiões se uniram e ensaiaram uma marcha ritmada na minha direção, foi nessa hora que me caiu a ficha: eles haviam descoberto a minha fraqueza; o meu medo de bichos “marmotentos”. Eles eram tantos que se amontoavam uns por cima dos outros. Toda aquela arrumação tinha um só propósito: destruir-me! Juro ter ouvido de um deles a ordem: ATACAR!!!
Acordei arremessando os travesseiros em direção à rede na qual meu marido dormia feito um anjo. Coitado, acordou atordoado e pulou da rede sem nada entender. Ufa! Dei-me conta que tudo não passou de um pesadelo. Meio desconfiada – ou melhor, toda desconfiada – olhei para o marido e disse:
– Acho que aquela cerveja de ontem estava estragada!
Flávia Arruda – Pedagoga e escritora