“Ser Culto para ser Livre” (José Marti)
(*) Rinaldo Barros
A conversa de hoje nasce ante a absurda interdição de dois teatros, na capital da terra de Poti: o Teatro de Cultura Popular e o centenário Teatro Alberto Maranhão. Teatros – patrimônios culturais e históricos – interditados por falta de segurança, por irresponsável ausência de manutenção. “Oh! Tempora, oh! Mores! ”
Desconfio que o crime tem como pecado original a ignorância de alguns dirigentes sobre o estreito vínculo entre a vida cultural e o processo de Desenvolvimento sustentável. Senão, vejamos.
Qualidade de vida não é um bem durável que possa ser estocado para consumo futuro. Nem uma conquista definitiva da sociedade. Trata-se, antes de tudo, de um bem público altamente perecível, que se deteriora ao menor descuido.
Os bens públicos têm como características básicas: a não-exclusividade e a não-rivalidade. Nenhuma pessoa pode ser privada ou excluída de usufruí-los. Se a qualidade de vida tem essa natureza de bem público, então deve ser garantida igualmente a todos.
Natal é uma das cidades que oferece (ainda) boa qualidade de vida aos seus habitantes. Mas apenas uma parte dos natalenses (a menor) desfruta hoje dessas condições privilegiadas que se aproximam dos padrões do Primeiro Mundo.
No entanto, nossa cidade continua reproduzindo o mesmo quadro de profundas desigualdades que divide o Brasil. São abundantes os estudos acadêmicos que acentuam o caráter dual da sociedade brasileira, virtualmente cindida em duas nações: uma muito rica, formada por uma minoria com padrões de consumo altamente sofisticados; outra muito pobre, que reúne a maioria da população, excluída dos benefícios do desenvolvimento e do consumo dos bens básicos da cidadania.
Nas últimas décadas, Natal experimentou um processo de acelerado desenvolvimento. No entanto, ao lado das inegáveis realizações urbanísticas desse período, é preciso reconhecer que ainda é preciso avançar muito mais na área sócio-cultural.
A prioridade dos governos municipal e estadual deveria ser a universalização de bens e serviços sociais de qualidade (planejamento, cidade limpa, qualificação profissional, saúde, educação, tecnologia, transporte público de massa, esporte, lazer e muito investimento no fortalecimento da identidade cultural de nossa gente).
Significa, em outras palavras, ter como meta assegurar a todos o padrão de qualidade de vida que hoje é desfrutado pela classe média alta e pela elite.
A atual modernidade excludente levará inevitavelmente ao esgarçamento dos vínculos de solidariedade e ao recrudescimento da violência urbana, sintomas que já estão evidentes em todos os quadrantes do nosso país.
O outro caminho que Natal pode (e deve) escolher, para ingressar – de fato – no Terceiro Milênio, pressupõe uma “nova forma de modernização”, que tenha como seu objetivo central o fim da exclusão social, econômica, política e, principalmente, cultural, integrando sua população em uma única sociedade.
Essa opção implica em reinventar a própria idéia de modernidade.
Sob esta nova ótica, modernidade será, por exemplo, levar saneamento básico para todos os domicílios de Natal que ainda não dispõem de rede de esgoto nem tratamento sanitário, assistir aos milhares de crianças e adolescentes que ainda se encontram em condições de risco, disseminar a prática da solidariedade e da Cultura da Paz em todos os segmentos e combater a exclusão por todos os meios.
Entretanto, não se trata de uma escolha qualquer que possa ser feita sem maior responsabilidade cívica.
Sem menosprezar o que já foi conquistado, advogamos que, para não sacrificar estas conquistas, é preciso ampliá-las de tal forma que toda sociedade seja beneficiada.
A universalização das condições mínimas de bem-estar é o desafio que Natal e o Rio Grande do Norte têm no presente e do qual depende o seu futuro. Neste desafio, é preciso compreender a importância fundamental da dimensão cultural para a construção da cidadania.
Permitir a interdição de teatros é não compreender que Cultura é a alma da cidade, a alma do povo; é cometer um crime de lesa-humanidade, a ser punido com o esmagamento do nosso futuro.
(*) Rinaldo Barros é professor – rb@opiniaopolitica.com
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