Diógenes da Cunha Lima
“O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado. Palavras de Jesus, o Senhor do sábado”. (Mc. 2-27)
Domingo é dia de dar graças a Deus. Agradecer porque nós, bichos da terra tão pequenos, fazemos parte do gênero humano, compreendemos que há belezas e grandeza no universo. Os outros animais, os vegetais, vivem mas não compreendem o mundo. L’âme est qui nous fait penser, entendre explica Bossuet. Temos que dizer nos domingos que louvamos a Deus e que O colocamos no mais íntimo do nosso coração.
Os hebreus têm o sábado (sabbat) e os cristãos têm o domingo (domenicus).
A etnógrafa Helenita Hollanda registrou a expressão popular em seu excelente livro “Como diz o ditado”: dia grande tem véspera. Seria a conciliação das religiões celebrantes.
De qualquer modo, o mandamento é guardar o dia do Senhor e as festas de guarda. Guardar é honrar, alegrar-se, celebrar, reservar um tempo para Deus. O dever de guardar é para ambos os sexos, mas há versos, de gosto popular, também anotado por Helenita: “De candeia que não atiça / de mulher que tem preguiça / e se ela não vai a missa / em dia que santo é / libera nós, dominé!”. O latim não tinha sinais de acentuação, o acento agudo foi posto para dar força à rima…
O dia santo é dia consagrado pela Igreja a uma especial comemoração. Por que já temos um dia consagrado aos mártires de Cunhaú e Uruaçu?
Sábado ou domingo são dias para descanso e oração. No começo da cristandade, representava o regozijo pela ressurreição de Jesus. O dia era tão importante à satisfação que até a Igreja proibiu o jejum.
O domingo era o dies solis dos gregos e romanos, o dia do sol, como está ainda em línguas faladas. Assim, dizem o inglês e o alemão. É o primeiro dia da semana, o sábado é o último. No último dia, professores antigos (e bons!) faziam sabatina, revisão da matéria dada, com desafio do saber.
Muitas disputas ocorreram no passado pela proibição do trabalho no sábado. Rabinos fizeram trinta e nove proibições, algumas com evidentes exageros: acender fogo, dar mais de mil passos, debulhar espigas. O Evangelho conta que discípulos de Jesus colheram espigas e foram recriminados. A fome obriga. Jesus os defendeu. O direito justificou estes atos, dizendo-os praticados em estado de necessidade.
Em um sábado, um homem caiu de uma janela do terceiro andar. Para restituí-lo à vida, São Paulo deu-lhe um abraço. Como o Mestre, o apóstolo não perguntou que dia seria da semana para poder trabalhar, mas fez o bem, escrupulosamente.
A palavra religião vem de religiosus, que quer dizer escrupuloso. O irreligioso seria um irresponsável…
Estou convencido de que não existem ateus. Porque ninguém é suficientemente burro para ser ateu. A vida, animal ou vegetal, com todas as suas ricas formas de beleza, não pode ser obra do acaso.
Acreditar em Deus é fazer o bem, com lealdade, com amor. Não é apenas ir à missa, rezar com ar contrito, mostrar-se na igreja e nas atividades litúrgicas. Circula a ironia, com o povo indicando muitos autores e variados destinatários, de uma quadrinha:
Sete vezes comunga por semana,
Sete vezes ofende a eucaristia
Pois Deus já lhe conhece a hipocrisia
Católica, apostólica, romana.
Nesta cidade, cujo nome lembra o nascimento do Senhor, do Rabi como se dizia em aramaico, devemos celebrar o dia da luz, o dia da eucaristia, o dono dos sábados. E do domingo.
Diógenes da Cunha Lima – Presidente da Academia de Letras do RN