TESTEMUNHAS NA CPI: O QUE PODE; O QUE NÃO PODE –
Como congressista acompanhei, em seis legislaturas, investigações complexas, inclusive como relator.
Chama atenção na CPI da Covid, a necessidade de fixação dos limites constitucionais e legais, aplicados às testemunhas e investigados, chamados a depor.
Independente de posição pró ou contra o governo federal, algumas observações são cabíveis.
As CPIs têm competência ampla, porém não ilimitada. A Constituição (art. 58, § 3º) confere a CPI “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais”.
Todavia, os seus membros obrigam-se a impedir qualquer medida restritiva do “jus libertatis”, que assegura a aplicação das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais.
Torna-se oportuno analisar, os deveres e obrigações das testemunhas e indiciados.
A regra geral é que todos estarão obrigados a dizer a verdade “sobre o que sabem”. Várias decisões judiciais estabelecem, que a investigação parlamentar não pode considerar a testemunha como suspeita.
Nesse caso, ela teria o direito do “suspeito” e não obrigações de uma “testemunha”, podendo recusar-se a falar contra si mesmo e até ficar calado.
O direito ao silêncio está previsto pelo Pacto de São José da Costa Rica em seu artigo 8º, norma supralegal, hierarquicamente superior a legislação infraconstitucional.
Na última sexta, o STF ratificou esse direito, ao conceder o “habeas corpus” preventivo impetrado pelo ex-ministro Eduardo Pazuello.
A Corte seguiu, entre outros, o acórdão (RTJ 163/626), em cujo enunciado lê-se:
“Não configura o crime de falso testemunho, quando a pessoa, depondo como testemunha, ainda que compromissada, deixa de revelar fatos que possam incriminá-la”.
No caso específico da concessão do habeas corpus, em favor do ex-ministro Pazuello, o relator, ministro Ricardo Lewandowski, fez ressalva, que, com a máxima vênia, poderá causar dúvida e insegurança na CPI.
O ministro indeferiu o pedido da testemunha não ser obrigada a responder indagações, que envolvam um “juízo de valor”, alegando que seria indevida intromissão nos trabalhos parlamentares.
Não se nega a autonomia dos senadores, na formulação das perguntas.
Todavia, a Constituição, ao garantir direitos e garantias fundamentais dos que depõem em CPI, evita que a função investigativa provoque humilhações, conflitos e constrangimentos abusivos.
O Código de Processo Penal (CPP) (artigo 213) estabelece, que é vedada a formulação de pergunta, que obrigue a testemunha manifestar as suas “apreciações pessoais”, ou seja, “juízo de valor”, sobretudo quando os fatos já sejam do conhecimento público, como alguns na CPI da Covid.
Em relação a viabilidade da CPI decretar a prisão da testemunha por “falso testemunho”, conforme pedido do relator senador Renan Calheiros no depoimento do sr. Fabio Wajngarten, há divergência doutrinária, no que tange aos limites dos poderes investigatórios.
A aplicação, por analogia, do artigo 342 § 2° do CP, como autorizado pelo Regimento Interno do Senado Federal (art. 153), torna ilegal a prisão em tais circunstâncias, tendo em vista ainda ser possível a retratação, até a aprovação do relatório final, que extinguiria a punibilidade da testemunha.
Caso não seja obedecida a regra legal, aqueles que na CPI pedirem e decretarem a prisão, estarão infringindo a lei 13.869/19, que dispõe sobre os crimes de “abuso de autoridade”, entre os quais inclui-se “decretar prisão fora das hipóteses legais” (pena de um a quatro anos).
Cabe lembrar, a oportuna advertência do ex-senador e ministro do STF, Paulo Brossard, de que as CPIS “não podem formular acusações, punir delitos, nem desrespeitar o privilégio contra a autoincriminação, que assiste a qualquer indiciado, ou testemunha”.
O modelo constitucional brasileiro consagra o princípio, de que não haverá culpa penal por presunção, nem responsabilidade criminal por mera suspeita.
Tive a honra de ser colega na Câmara Federal do renomado jurista Odacir Klein, autor do livro “Comissões Parlamentares de Inquérito – A Sociedade e o Cidadão”, no qual ele recomenda, que na CPI todos devam ser tratados “sem agressividade, truculência ou deboche, por quem o interroga diante da imprensa e sob holofotes, já que a exorbitância da função de interrogar está coibida pelo art. 5º, III, da Constituição Federal, que prevê que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.
A conclusão final é que na CPI, o Congresso Nacional, altar da democracia brasileira, deve pautar-se pelos princípios da máxima legalidade, para ter autoridade de incriminar quem, porventura, deseje conspirar contra o Estado de Direito e as liberdades públicas.
Ney Lopes – jornalista, advogado, ex-presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, professor de Direito Constitucional da UFRN
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