TESTEMUNHOS DE ISTAMBUL II –

Como dito no penúltimo artigo, bem pertinho da Basílica/Museu de Santa Sofia fica uma outra atração de Istambul que achei fantástica: o Palácio Topkapi, construído entre os anos 1459 e 1465, pelo Sultão Mehmet II, o Conquistador (1432-1481), logo após a tomada de Constantinopla (1453), para ser residência principal do sultão e do seu enorme harém, assim como ser sede de governo do recém-instalado Império Turco Otomano. Sua localização era e ainda é estratégica, num promontório, denominado Serralho, que supervisiona o tríplice encontro entre o Chifre de Ouro, o Estreito de Bósforo e o Mar de Mármara.

Para facilitar as coisas, sobre a concepção e a história do grande palácio, faço uso do “Guia Visual Folha de São Paulo – Turquia” (PubliFolha, 2014), já outras vezes citado neste espaço: “Entre 1459 e 1465, logo após ter conquistado Constantinopla, Mehmet II construiu o Palácio Topkapi como residência principal. Em vez de uma única edificação, foi concebido como uma série de pavilhões contidos por quatro pátios enormes, uma versão de pedra dos acampamentos com tendas, como os primeiros otomanos nômades costumavam fazer. De início, o palácio servia com sede de governo e dispunha de uma escola na qual eram treinados funcionários civis e soldados. No século XVI, porém, o governo foi para a Porta Sublime. O sultão Abdül Mecid I [1823-1861] abandonou Topkapi em 1853, trocando-o pelo Palácio Dolmabahçe. Em 1924, foi aberto ao público como museu”.

Na minha opinião, o Palácio Topkapi, hoje basicamente um “museu” aberto à visitação, é o que há de melhor para se entender a história do grande Império Turco Otomano, história que, com seus sultões e grão-vizires, suas conquistas e retrocessos, está muito mais presente na vida e no imaginário da atual Istambul do que está a sua herança romano bizantina. De toda sorte, embora surpreso no começo, essa prevalência turco otomana, em comparação ao romano-bizantino, me pareceu, ao final da minha estada por lá, bastante natural. Se pensarmos bem, o Império Turco Otomano é bem mais recente que o Império Bizantino, sem falar que sua fé islâmica coincide – e isso é muito importante – com a orientação religiosa da Turquia contemporânea.

Hoje cercado por parques públicos, o Palácio Topkapi, desde a Porta das Saudações, que dá acesso à parte principal do complexo, impressiona. Seus quatro pátios são belíssimos; seus edifícios, que são inúmeros, mais ainda. As entradas decoradas (como a do harém), os vários terraços, os pavilhões, os quiosques (como o da Justiça e o de Bagdá), as salas de audiência, as câmaras, as cozinhas, os aposentos, a Biblioteca de Ahmet III (1673-1736), são tantos espaços e tão ornados que é quase impossível não se perder por ali maravilhado. Para além da arquitetura, adorei as coleções de relógios, de armas e armaduras, de trajes imperiais e, sobretudo, do riquíssimo tesouro do Palácio. Chamou-me a atenção mais ainda a coleção de relíquias reunida pelos sultões otomanos, tais como o cajado de Moisés, as espadas de Maomé e de alguns dos seus companheiros na criação do Islã e até mesmo uma “pegada” (no sentido de “marca do pé”, que fique claro) do Profeta, coisas que, infelizmente, de papel passado, não posso atestar serem verdadeiras. De toda sorte, apoiador da aposta de Pascal (1623-1662), eu vi e acreditei. Por fim, encantei-me sobretudo com a sala de retratos dos tais sultões otomanos, onde, de fato, tive a oportunidade de ter uma visão geral da história do grande Império. E registro que ainda deu para tomar um café no restaurante palaciano, observando o mar de Mármara e a Istambul asiática que luziam à nossa frente.

Se não bastasse tudo isso, bem pertinho dali, praticamente colados ao Topkapi e dentro do denominado primeiro pátio do Palácio, ainda estão outras famosas atrações de Istambul, como a igreja bizantina de Santa Irene (“Haghia Eirene”), do século VI (quando do reinado de Justiniano, o Grande), mas restaurada no século VIII, curiosamente nunca convertida em Mesquita, e o riquíssimo Museu de Arqueologia, especialmente bem dotado no que toca a artefatos dos períodos pré-clássico, clássico e bizantino, mas que não tivemos a oportunidade de visitar. Aliás, não sou de necessariamente visitar museus em viagens. Falo daqueles museus formais, claro, tipo o Louvre ou o British Museum. Museus desse tipo, penso, são mais para frequentar do que para simplesmente visitar, quase sempre às pressas.

Na verdade, no restante das nossas horas em Istambul, como bons “flâneurs”, preferimos, sem destino certo mas atentos a tudo, vagar pelas muralhas e ruínas, pelas calçadas e esquinas e pelas lojinhas e praças das regiões de Serralho e Sultanahmet, tão cheias de história e estórias para contar. O que elas nos disseram, isso eu confesso para vocês num próximo artigo.

 

Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Mestre em Direito pela PUC/SP

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
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