TIA CARMEN –
Natal, capital do Estado do Rio Grande do Norte, no nordeste brasileiro, possui uma posição estratégica geográfica global muito importante. Este fato concorreu para que fosse escolhida, durante a Segunda Guerra Mundial, para receber as duas principais bases militares americanas: a Base Naval e Parnamirim Field.
A cidade recebeu um contingente de 10.000 soldados norte-americanos, para lutarem durante o conflito mundial. Este fato mudou radicalmente a pequena capital, que à época possuía 55.000 habitantes. Mais do que uma importante participação durante o conflito armado mundial, a influência cultural dos americanos marcaram, para sempre, esta cidade brasileira.
Minha saudosa tia Carmen Pimentel, que vivenciou as “agruras” da II Guerra, também usufruiu da animação de festas, ruas, lojas e bares, apinhados de gente, e mudanças de hábitos, numa época em que a juventude podia se divertir, leve e solta, sem se preocupar com os conflitos mundiais que envolviam as mais importantes Nações do Mundo. E o mais importante: Sem o terror de Pandemia mortífera, máscara, nem álcool- gel.
Jovens sonhadoras, logo assimilaram a maneira de viver dos norte-americanos, com a ilusão de que nunca mais voltariam à vida provinciana. Ledo engano. Com o fim da guerra, quando os americanos se foram, as sonhadoras que não fisgaram um casamento, continuaram em Natal, deprimidas, amargando a saudade das festas, amores e deslumbramentos, que os americanos lhes proporcionaram.
Muitas vezes, ouvi minha saudosa tia Carmem (na casa de quem eu estudava) dizer, em conversas com algumas amigas, todas oitentonas, relembrando o tempo da guerra:
-A Guerra foi formidável!!! Ah se o tempo voltasse!!!
A nostalgia e a saudade eram grandes. Entre elas, havia uma que namorou e se casou com um desses americanos e foi morar no Estados Unidos. A casa dele era um barracão. Ele não era nada do que dizia e aparentava, inclusive a patente militar era rasa. Ela caiu no “conto do galego” Tudo era “farol”… A separação foi inevitável. Ela voltou para Natal e criou sozinha duas filhas, frutos desse casamento de “conto de fadas”.
Os bons ventos que sopraram em Natal durante a permanência dos americanos, favoreceram à chamada geração “Coca-Cola”(produto dos americanos) com muitos amores, paixões e casamentos. Outras moças não tiveram a mesma sorte, pois o machismo dos pais as prenderam em casa, e elas permaneceram intactas.
As festas eram bancadas pelo tesouro do “Tio Sam”.
Logo que chegaram a Natal as primeiras levas de americanos, foram criados pelo Consulado, os “Clubes 50”, com o propósito de promover a confraternização entre grupos recém-chegados e as famílias do Rio Grande do Norte.
Dizem os historiadores, que o que se pretendia, na verdade, era aproximar, através dessas festas, a fornada de voluntários americanos, principalmente aviadores, das jovens filhas de boas famílias, da terra potiguar.
A primeira festa foi organizada pela americana Mrs. Knabb, auxiliada por jovens da sociedade natalense. Ocorreu no veraneio de 1941/1942, na Praia de Areia Preta, então, a praia mais concorrida de Natal. Foi erguido, ali, enorme tablado ao ar livre, onde dançaram garbosos americanos, oficiais da Marinha, com as diletas filhas de famílias importantes de Natal.
Em seguida, os americanos passaram a alugar a sede do Aeroclube, para a realização de bailes às quintas-feiras. Um antigo diretor desse sodalício, de saudosa memória, contava que chegou a ver “200 soldados disputarem umas 30 ou 40 moças de Natal para dançar”. E que nenhum homem ficava sem par, pois foi instituído o “tag”, que consistia no direito de um colega bater nas costas de outro que estava dançando, e este lhe ceder a jovem com quem fazia par, sem qualquer confusão.
O “tag” foi uma grande invenção dos americanos, para que todos pudessem dançar.
Cada um desses bailes era patrocinado por determinado grupamento militar. Por isso, eram os únicos bailes a que compareciam, juntos, do soldado raso ao Coronel, não podendo ser frequentados por integrantes de outras unidades.
As moças eram servidas de Coca-Cola e sanduiche, à vontade. Essas festas tornaram-se famosas, pela descontração, flertes, namoros, troca bilíngue de conversas, além da generosa “boca-livre”.
Surgiram, então, as oportunidades de trabalho às mulheres, nos estabelecimentos norte-americanos. Os gringos ofereciam transporte para os locais de trabalho, como também para as festas. Os ônibus da Base Aérea, quando vinham buscar as moças, eram vaiados pelos rapazes de Natal, que se sentiam rejeitados durante a permanência dos “galegos” em Natal.
Os rapazes apelidaram esses ônibus gratuitos de “Marmitas”, injuriando as mulheres de estarem sendo levadas para os americanos, como comida.
À medida que esses bailes faziam sucesso e progrediam, foram sendo quebradas, pelas frequentadoras, algumas regras da nossa cultura, inclusive o controle paterno, que extrapolava o limite da maioridade e da obediência. A permanência dos americanos em Natal ajudou-as a se “emancipar”, pondo fim à submissão machista patriarcal. Entretanto, por parte da diretoria dos eventos, havia a exigência de que as frequentadoras solteiras deveriam ser sempre acompanhadas por um “escort” (algum jovem parente ou amigo), ou então, por uma “chaperone” (mães, madrastas, tias ou amigas mais velhas), que, embora deixando-as à vontade, zelassem por elas, inclusive no cumprimento de etiquetas, relativas à boa educação.
Essa exigência vigorou até o último baile, em agosto de 1946, no Clube Hípico, apesar do regime seletivo de Mrs Knabb ter sido abrandado, desde a chegada de hostesses americanas da gema, menos rigorosas. Dessa forma, muitas frequentadoras, de carteirinha, passaram a ir às festas apenas na companhia das irmãs, como por exemplo, CARMEN/GILKA PIMENTEL, Alba/Auta/Aurita Brandão e outras.
As mulheres natalenses incorporaram modos americanos. Passaram a fumar e a beber “Cuba-Libre” (com a “Coca-Cola” enfraquecendo a mistura de Rum).
E a Tia Carmen, já idosa, não deixava de oferecer às amigas que sempre a visitavam, boas doses de “Cuba-Libre”, recordando os bons tempos dos americanos em Natal, que juntas vivenciaram.
Violante Pimentel – Escritora