TIPOS POPULARES –

Estudantes do Atheneu, tínhamos um grupo de colegas que “gazeavam” as aulas quase todas as tardes, especialmente de um professor chato, de uma matéria chata, Latim, e que era sempre no final das tardes.

Íamos para o Grande Ponto, naquele tempo, início dos anos 40, principal ponto de encontro de Natal, com sorveterias, casas de lanche, e salões de sinuca. E, um dos nossos passatempos, era azucrinar os tipos populares que por lá andassem. Lembro-me de pelo menos três, pois a grande maioria ia para a Ribeira, centro comercial da cidade e onde corria um dinheirinho mais fácil.

Um dos mais presentes era um jornaleiro, preto, já de meia idade, cabeça esbranquiçada, que lá chegava no final da tarde e cujo apelido era “garapa”. Ele não gostava do nome e ameaçava quem o chamasse assim. Prato cheio para um bando de estudantes sem vergonhas. Um gritava “água”, outro “açúcar”, outro “colher”, e aí ele dizia, se misturar apanha. De outro lugar outro gritava “garapa”. E ele enlouquecia e, quando corria para um lado, outro gritava “garapa”. O pobre ficava louco.

Uma outra pessoa era Maria mula manca. Tinha um defeito físico numa das pernas e andava com um cajado de madeira, grossa, pesada. Vivia pelo Grande Ponto ou arredores, recebendo uma esmola de um ou de outro, e não gostava do apelido. Ameaçava com o cajado, mas, como tinha dificuldade de andar, não era ameaça.

Um outro era um pobre coitado, completamente aleijado. Passava o dia deitado numa cadeira, mais parecia uma cama, onde quem queria depositava uma moeda. Um dia, José Guerreiro, meu colega de turma, uma figura inesquecível e um canalha, do lado bom da palavra, parou em frente ao velho e disse: de hoje em diante, não lhe dou mais esmola; eu quero lhe ajudar, você deve ter sido gente ruim na geração passada e está aqui espiando seus pecados. Se eu facilitar sua vida, vou apenas fazer com que você venha de novo sofrer na próxima geração. O velho olhou para ele e não disse uma só palavra.

Mas, o lugar onde você encontrava mais tipos folclóricos era a Ribeira. Lembro de um sujeito que se apresentava como Conde, dono do Brasil. Chegava numa loja e dizia: vim buscar minha participação. Eu mesmo, na nossa, sempre dava a ele cinco cruzeiros. Um dia, dei somente dois cruzeiros. Ele disse: vejo que os nossos negócios vão mal, vou providenciar para que melhorem. Quando veio na outra semana (ia uma vez por semana) e dei cinco cruzeiros, ele disse: viu, minhas providências funcionaram.

Chegava no Banco do Brasil, de quem ele se dizia dono, alguns caixas não lhe davam atenção. Mais havia um, grande figura, radioamador, Lídio Madureira, a quem ele dizia: vim buscar meu lucro da semana. Recebia dez cruzeiros e saia feliz.

Outra figura excelente era Raimundo Bamba. Cego, tinha um conjunto que ela era mesmo. Um bombo, com uma arrumação que prendia um realejo na altura da boca. Cantava e se acompanhava com o bombo. Às vezes, vendia bilhetes de loteria.

José Menininho era outro ótimo. Tocava uma sanfona de quatro baixos, era acompanhado por um sujeito tocando violão e outro pandeiro. Ficava nas esquinas da Ribeira, com um chapéu no chão diante dele, e as pessoas passavam e botavam um dinheirinho. Sua música principal, “Caixão de Gás”, que tocava e cantava nove vezes entre dez.

Havia um outro, Dr. Choque, que vendia bilhetes de loteria. Não era esmoler, mas lembrei-me dele por conta do nome. Ficava o tempo todo num treme-treme sem parar, como se fosse Parkinson. Daí o nome, Dr. Choque.

Lembrei disso tudo por conta de uma mensagem que recebi, com o livro completo de Veríssimo (Vivi) de Mello, meu tio, sobre Zé Areia, que foi origem das melhores histórias da Ribeira. Mas não o único.

 

 

 

Dalton Mello de Andrade – Escritor, ex-secretário da Educação do RN

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
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