TODAS DO PRESIDENTE – 
O título, eu explico (mais ou menos) depois.
Prefiro, antes, dizer o porquê de escrever esta crônica. A coisa gira em torno de um livro que tenho em mãos: “Journalists in Film: Heroes and Villains”, por Brian McNair (Edinburgh University Press, 2010). No momento em que a imprensa, em nosso país, por uns é tratada como heroína e, por outros, como vilã, achei ser uma coincidência que não poderia ser desperdiçada. Classificando os jornalistas/personagens em uma dicotomia bastante interessante (como heróis, por exemplo, são tratados os investigadores e os correspondentes de guerra; como os vilões, os fraudadores e fazedores de mitos), o livro passeia, analiticamente, por clássicos como “Cidadão Kane” (de Orson Welles, 1941) e “Todos os Homens do Presidente” (de Alan Pakula, 1976).
Mas é do segundo filme que eu quero aqui falar. “All the President’s Men”, considerado uma aula de jornalismo investigativo, trata do caso “Watergate”, passado na Capital dos Estados Unidos, Washington D.C., na década de 1970. Invasão de edifício (onde ficava o comitê nacional do Partido Democrata Americano), em 1972, que se revelou espionagem política, o caso ganhou proporções imprevistas e levou o Presidente Nixon, eleito no mesmo ano para um segundo mandato, quando ameaçado de Impeachment (por obstrução da Justiça, abuso de poder e atentado contra o Congresso Nacional), a renunciar ao seu cargo em 1974.
Baseado em livro homônimo (de 1974) dos jornalistas Bob Woodward (1946-) e Carl Berstein (1944-), à época jovens no Washington Post, o filme, indicado a 8 Oscars e vencedor de 4 estatuetas, tem Robert Redford e Dustin Hoffman, respectivamente, nos papéis principais. Com uma abordagem de semidocumentário, “Todos os Homens do Presidente” mostra como um crime banal (aparentemente, era apenas a invasão de mais um prédio por ladrões comuns), a partir do trabalho da imprensa, pode se transformar no maior escândalo político dos Estados Unidos até então. Isso tudo apesar da resistência das fontes (cuja mais famosa era a “Garganta Profunda”), do ceticismo dos editores, da demissão dos colegas, das tentativas de supressão/troca de provas (como a questão das fitas que gravaram as conversas no Salão Oval da Casa Branca) e de muita oposição dos envolvidos, de autoridades e de políticos (os “homens do Presidente”, entre os quais membros da CIA e FBI, assim como o Procurador-Geral do EUA, John Mitchell).
Para os amantes do Direito, uma peculiaridade a mais: o filme, de cena em cena, é uma resolução de um quebra-cabeça, assim como muitas vezes o é uma investigação policial. Woodward/Redford e Berstein/Hoffman agem como detetives (ou “watchdogs”, em inglês), coletando evidências, checando e rechecando fontes, comparando informações e, assim, construindo o “caso”.
E o mais importante: mesmo passado tanto tempo, “Todos os Homens do Presidente” não perdeu sua atualidade. Para além do seu poder estético, das interpretações convincentes de Redford e Hoffman, o filme deve ser considerado uma aula de como o jornalismo investigativo, em uma imprensa livre, deve ser realizado. Faz parte do seu legado, segundo o autor de “Journalists in Film: Heroes and Villains”, a assertiva, em forma de arte, de como o jornalismo investigativo é importante nas democracias, mesmo em tempos de valorização do poder econômico ou de construção de mitos. Mostra-nos como o chamado “Quarto Poder” pode mudar as coisas para melhor ou, mais poeticamente, simboliza a luta do Davi contra o Golias, dos indivíduos contra o Poder estabelecido.
Sim, e o título? Meio truncado, faltando algo, reconheço. Mas, nessa falta, em que a frase “Todas do Presidente” pode dar a entender algumas predileções, não vai mais que uma brincadeira. Até porque, nesse ponto, comungamos da mesma empatia. No mais, no Brasil de hoje, não podemos ser sexistas.

Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Mestre em Direito pela PUC/SP

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