TORNEIRAS – Bárbara Seabra

TORNEIRAS – 

 A torneira começou a pingar. Precisamos trocá-la, Flávio me fala. Verdade… Achei que seria uma tarefa fácil. Não a troca, mas a escolha. Fomos a uma loja de material de construção e nos indicaram o corredor das torneiras. Que bobagem, pensei. Um corredor só para torneiras? Estava enganada. Na verdade eram dois corredores e a minha ilusão de que fosse simples escolher uma substituta para a nossa foi, literalmente, por água abaixo.

Olhávamos uma por uma e, de repente, chegamos à conclusão que precisávamos fotografá-las. Já não me lembrava mais quais as vantagens desta ou daquela. Alguns minutos para cá e para lá e, finalmente fomos para o caixa. Já tínhamos a escolhida! Saímos felizes da loja, carregando nossa nova aquisição quando me dou conta que alguém deve fazer o serviço de troca. Quem?

– Eu, claro!  – Flávio me responde prontamente.

Começam meus devaneios, onde penso em qual momento nos tornamos adultos e as compras de coisas assim nos enchem de felicidade. Quando recém-casados, recém-formados e recém-chegados a uma cidade estranha para começarmos nossa vida a dois, passamos meses comparando modelos e preços de sofás. Não eram de couro, nem de dez lugares. Na verdade, um sofá-cama que abrigou várias visitas natalenses que recebemos ao longo dos nossos quatro anos distantes da família e amigos. O dinheiro era curto e qualquer compra desta proporção se tornava um evento! Foi isso com o sofá, a estante de arame e o som para tocar nossas fitas cassete e CDs. Sua coleção de Beatles e Pink Floyd, e a minha de Marisa Monte e MPB. Hoje, suas músicas são as minhas também e de nossos filhos, que mesmo dizendo que Legião Urbana é para “essa geração aí de vocês” e para “alternativos”, tocam e cantam ‘Será’ e ‘Pais e Filhos’. Prova que estão errados. Eles só entenderão depois… Quando forem pais…

E a torneira? Ele trocou! Vi-o deitado no chão com um rolo de fita veda rosca ao seu lado. Nosso mais velho segurando um alicate. Depois do serviço feito e de vários panos de chão úmidos, nossa torneira que pingava foi substituída. Eles, vitoriosos com o feito. Eu, feliz com uma torneira vermelha, para combinar com os utensílios da cozinha. Voltei alguns anos atrás e resgatei aquela felicidade adormecida que é despertada com as pequenas vitórias da vida…

 

 

Bárbara Seabra – Cirurgiã-dentista e Professora universitária

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
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