TORROU A JUNTA –

Relendo mais do que lendo nesse momento de confinamento compulsório pelo vírus apadrinhado e mortal chinês, me defronto com a divertida e realista crônica do mineiro Fernando Tavares Sabino (Fernando Sabino – 1923-2004), talentoso cronista e titular absoluto do time de Rubem Braga, Carlos  Drummond de Andrade, Raquel de Queiroz – intitulada de “A quem tiver carro”.

Trata-se de uma situação, de certa forma, corriqueira para aqueles possuidores de carros em décadas passadas.

O texto da crônica transcorre de forma muito autêntica sobre como eram tratados os donos das chamadas “carroças”,  assim apelidados anos depois pelo Presidente Fernando Collor de Mello.

Conta o artigo o momento no qual o cronista procura uma oficina mecânica por causa (para ele) de uma simples pane no seu carro. É aí que o bicho pega; cada mecânico visitado, procura valorizar mais e mais o seu serviço, pregando mil dificuldades e, ao mesmo tempo, não perde a oportunidade de crucificar o colega que já tinha tentado corrigir o suposto defeito.

A jornada foi grande, uma verdadeira odisseia, chegando a passar por seis profissionais e sem conclusão nenhuma do embaraço. Mexeram e trocaram tudo: carburador, platinado, diafragma, dínamo, cabeçote, bomba de gasolina, parte elétrica, e nada.  O carro continuava a apresentar o mesmo defeito.

Não suportando mais de tanto lenga-lenga e, lendo um anúncio de um curso prático para motores de carro, resolveu fazer.

Concluído o curso, foi testar os conhecimentos; quando abriu  o capuz do carro viu um fio solto, de bobeira e só fez recolocá-lo no lugar certo. Desde então, nunca mais o carro deixou de funcionar, e muito bem!

A interessante e humorada crônica me fez lembrar um caso parecido com o que aconteceu comigo, tempos atrás.

No final do ano de 1969, quando do término do meu curso de Medicina, me programei para fazer a minha pós-graduação na cidade de Salvador/BA. A viagem seria feita no meu carro, um Gordini azul claro, quatro portas (que luxo!) do ano de 1964, super conservado que nunca me trouxera grandes problemas, a não ser  trocar ocasionalmente a junta do tampão do motor, devido ao superaquecimento que vez por outra apresentava.

A viagem de ida foi uma maravilha, o seu desempenho durante o tempo que permaneci em Salvador foi nota mil.

Um ano depois, quando programei meu retorno, procurei, por recomendação de um funcionário do Hospital, um bom mecânico. Alguns dias depois fui informado e apresentado ao  excelente mecânico (?).

A minha preocupação foi passada para o profissional, alegando que ia fazer uma longa viagem até Natal e que iria rodar mais de mil quilômetros.

— Tudo bem, pode deixar, vou entregar ao Doutor o carro zerinho, em ponto  de bala.

Uma semana depois recebi o carro e paguei na hora o serviço ( que não foi barato) com uma reserva forçada que tinha feito com  o dinheiro recebido da residência médica.

Viagem de retorno super preparada, super ansiosa, com destino a minha querida Natal; não vendo a hora de abraçar a minha família, rever amigos, enfim, começar a minha vida profissional.

Deixava a cidade de Salvador em uma manhã cedo depois  de me  despedir dos colegas e amigos.

Com uma  hora de viagem percebi que o carro começara a esquentar; fiquei preocupado, porém com os olhos voltados para o painel que media a temperatura do carro. Observei que  não melhorava, e só piorava. Parei o carro algumas vezes para colocar água no radiador, passando a desenvolver uma velocidade super lenta.

Com mais ou menos uma hora mais de percurso, de muita apreensão e cuidado, consegui chegar até o Estado de  Alagoas, com o motor super aquecido com a junta do motor torrada; por sorte parei em frente a uma pedreira e, para minha tranquilidade, fui muito bem acolhido pelo mestre responsável pelo canteiro de obra.

Deixei o carro e fui procurar me aventurar para retornar de   ônibus para Natal.

O desfecho foi realmente muito pior e mais emocionante  do que o do grande mestre da crônica brasileira, Fernando Sabino.

 

 

 

Berilo de Castro – Médico e Escritor,  [email protected]

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