É difícil conviver em um país onde a palavra das autoridades não merece credibilidade e, geralmente, cai no vazio das ilações ou técnicas de marketing para encobrir realidades menos palatáveis. Surpreso (eu ainda fico surpreso) ao ler em um dos jornais em cirulação na terrinha, em manchetes, o resultado da pesquisa IBOPE sobre a crítica situação econômica em que vive o norteriograndense e, de resto, a maior parte do país: MAIS DE 60% DOS TRABALHADORES DO RN SÓ CONSEGUEM GANHAR O SALÁRIO MÍNIMO. Ilhas de excelência existem, é verdade, mas uma nação não pode viver na delicada linha das desigualdades sociais.
Estamos falando da manchete e seu efeito devastador. Ao adentrarmos a reportagem e a análise dos números, o que era ruim tornou-se péssimo e o que era péssimo algo inaceitável para um país governado pelo Partido dos Trabalhadores e detentor de orgulhosa posição de 6ª potência econômica mundial. Apenas onze mil pessoas auferem renda superior a 20 salários mínimos, o que não representa nenhuma exorbitância, mas é o pico da pirâmide e quase um milhão de trabalhadores não tem renda nenhuma. E quantos Estados da Federação estão em situação semelhante. Está desenhado o mapa da pobreza no país, apesar da distribuição continuada e humilhante de um sem número de bolsas assistenciais, o que apenas perpetua a pobreza o poder que dela se alimenta.
É o outro lado da moeda que a pesquisa mostra e esfrega na cara das autoridades e lhes tira a credibilidade. Não adianta chavões e bordões. Transformar Programa de Transferência de Renda (a contrapartida mínima que demonstra a calamitosa falta de visão do governante brasileiro) em riqueza é insustentável ao olhar mais desatento como comumente acontece com os que deveriam ter um olhar atento e exercitar o compromisso constitucional recitado, qual um poema de cordel, na investidura do mandato; erradicar a pobreza e a marginalidade e as diferenças regionais.
Vamos falar abertamente, pobreza é luxo, a realidade mais crua é a da exclusão social. Sim, uma população de brasileiros marionetes nas mãos dos poderosos e eleitores anônimos e analfabetos. Mas, analfabetos não podem votar. É verdade, como apenas assinar o nome não é ser alfabetizado. Eleitor sim, alfabetizado nunca. Um homem alfabetizado deve, no mínimo, conhecer a conotação mais simples do que é cidadania. E quem vive das migalhas de alguém ou do governo jamais será cidadão. A cidadania pressupõe a dignidade humana como dispõe e apenas dispõe a Constituição da República Federativa do Brasil.
O governo brasileiro sempre se pautou pela conduta de falsear a realidade e mostrar, politicamente, que o atual governo, não importa o governante (todos utilizam as mesmas falácias) e tentam mostrar um Brasil que não existe, embora seja um grande país. Grande e para poucos. E os poucos são pouco mesmo. Não há comparação politicamente correta: ou fraque e cartola ou a bunda de fora. E as respostas do governo para os reais problemas são conhecidas e desacreditadas: o assistencialismo e com ele o clientelismo. Para a sede, carros pipas; para a fome, bolsa família, para os demais males outras bolsas. A minha preocupação é o governo criar o Programa Bolsa Funeral, onde o pobre só morrerá se o governo autorizar.
Nada é levado a sério: a educação, uma lástima; a segurança pública um temor; os postos de saúde, sem remédios, leitos e médicos; as estradas, um grande buraco e, nas salas do poder o diletantismo assume ares proféticos que os marqueteiros procuram, a peso de ouro, vender como realidade fática. Em breve teremos uma nova campanha política e adianto os assuntos de pauta: programas do leite, bolsa família, pão vitaminado, bolsa escola e, nem de longe, tratam dos grandes assuntos que importam para os municípios e para o país que, entre muitos, realça a concentração de renda. É certo que ao prefeito e aos vereadores não cabem a responsabilidade por um problema tão antigo e devastador, mas eles fazem parte dos partidos políticos, que conduzem as políticas públicas e tem obrigação de exercer o seu mandato com visão estadista.
O grande problema é a consciente visão do lado errado. Longe de mim o espírito pessimista. A solução para qualquer problema é enfrentá-lo como ele é, com o nível de dificuldades que ele sugere e medidas saneadoras e definitivas, não o aparvalhamento de idéias imediatistas e casuísticas para se vencer ou não uma eleição. Os homens públicos brasileiros, em seus mandatos, não buscam visualizar o futuro da sociedade, mas tão somente os seus anos de mandato. Tudo tem começo e nada tem fim, exceto nos show de marketing governamental. Um exemplo clássico é o velho Sistema Único de Saúde (SUS). Todas as autoridades são unânimes em defender o modelo brasileiro, mas, ao ter uma mera taquicardia, procuram os mais sofisticados e caros hospitais do país, enquanto que os que se submetem ao SUS sofrem verdadeiras tentativas de homicídio, quando não são vítimas de balas perdidas. Eu nunca vi uma alta autoridade brasileira ser tratada pelo SUS e tampouco esclarecem quem paga as contas.
Pena que Adam Smith não mais convive entre nós. A pesquisa IBOPE o inspiraria a escrever um novo livro: A POBREZA DAS NAÇÕES. O que? Você é louco? Imaginem se em lugar de Adam Smith pudéssemos contar com a presença de Maquiavel. Ele ficaria surpreso ao saber das conseqüências de seus ensinamentos para os governantes do mundo, desde os tempos dos principados, de que os meios justificam os fins e, quem sabe, demonstrasse alguma vergonha. Seria uma boa lição doravante, mas, acho melhor continuarmos com a civilidade brasileira sendo cultivada nos grandes bolsões assistenciais dos governantes do país e continuarmos a construir uma sociedade com valores equivalentes às bolsas assistenciais que recebe (e quando recebe). Um dia a casa cai e, peço a Deus, que nesse dia eles estejam embaixo pedindo votos como fazem há séculos sem fim. Resta a esperança de que em um dos séculos vindouros essa perniciosa prática tenha fim e possamos, finalmente, retomar a cidadania e a aprender a conservá-la.
Em último caso sempre restará a esperança de um novo carnaval… deixei a dor em casa me esperando, como canta majestosamente o grande Chico Buarque e tão pouco ouvido pela maioria dos brasileiros.
Adauto José de Carvalho Filho, Auditor-Fiscal da Receita Federal Aposentado, Bacharel em Direito, Contabilista, pedagogo, escritor e poeta