A 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) reconheceu, por unanimidade, a suspeição do juiz Eduardo Appio no âmbito da Lava Jato e anulou todas as decisões do magistrado relacionadas à operação.
A decisão é da última quarta-feira (6) e diz respeito aos casos que tramitam na 13ª Vara Federal de Curitiba.
Procurado pelo portal g1, o juiz disse que não vai se manifestar sobre a decisão.
O colegiado entendeu ser procedente a chamada exceção de suspeição criminal, proposta pelo Ministério Público Federal (MPF). Votaram o relator do caso, Loraci Flores de Lima, o desembargador federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz e o juiz federal Danilo Pereira Júnior.
O desembargador federal Marcelo Malucelli integra o colegiado, mas foi considerado impedido para julgar o caso.
O magistrado pediu que Appio fosse investigado por supostamente ameaçar o filho dele. Além disso, o filho do desembargador e sócio do escritório de advocacia do senador Sergio Moro (União Brasil-PR) e da deputada federal Rosangela Moro (União Brasil-SP), em Curitiba.
Appio está afastado das funções na 13ª Vara Federal desde 22 de maio por decisão do Conselho do TRF-4.
No mesmo dia em que Appio foi declarado suspeito e teve decisões anuladas, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), invalidou provas do acordo de leniência da Odebrecht e disse que a prisão pela Lava Jato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode ter sido “um dos maiores erros judiciários da história do país”.
Juiz usou ‘LUL22’ como identificação
Ao analisar o pedido de suspeição do juiz, o relator, cujo voto foi acompanhado de forma unânime pelos demais colegas da 8ª Turma, cita o fato de Appio ter usado a expressão “LUL22” como sigla de acesso ao sistema oficial da Justiça Federal.
“É inegável que a opção por mudança da sigla, segundo as palavras do excepto, justamente como protesto de uma prisão que ele considerava ilegal, é circunstância que coloca sob suspeita o ânimo esperado de um magistrado isento e que, afinal, longe da política partidária e das paixões que ela envolve, deve zelar pela figura do juiz que ‘evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito’ (artigo 8º do Código de Ética da Magistratura)”, diz trecho do voto do desembargador.
Manifestações públicas
Em outro trecho do voto, o relator argumenta que o exercício pleno da magistratura exige “postura prudente e equilibrada, livre de paixões e preconceitos”.
O desembargador afirma que tal comportamento deve ser seguido especialmente no trato com a imprensa. O relator cita o Código de Ética da categoria, segundo o qual o juiz deve evitar dar opinião sobre casos em julgamento ou decisões do Judiciário.
O relator afirma que Appio, mesmo antes de ser designado titular da 13ª Vara Federal em Curitiba, se apresentava como um crítico da Lava Jato e dos “métodos” usados na condução das investigações.
“A ‘Operação Lava-Jato’ não precisa de juízes defensores ou críticos daquilo que foi levado a efeito desde o início das investigações. Não há falar, com efeito, e soa extremamente equivocada, a utilização de rótulos como lavajatistas ou antilavajatistas. O que se busca, em verdade, é algo muito simples, ou seja, um magistrado que atue de forma equidistante, com serenidade e discrição, demonstrando aos demais atores do processo e à própria comunidade jurisdicionada que possui os atributos reveladores de uma autêntica imparcialidade”, diz o relator.
Yousseff e Cabral
Appio assumiu o comando da 13ª Vara Federal de Curitiba, berço da Operação Lava Jato, no início de fevereiro de 2023. Ele tem mais de 20 anos de trabalho na Justiça Federal e é publicamente crítico da atuação do ex-juiz Sergio Moro no âmbito da Lava Jato.
Em entrevista ao g1 na época, disse ter como missões o resgate da credibilidade e da neutralidade político-partidária e o fim da espetacularização.
No cargo, ele expediu decisões como a prisão do delator da Lava Jato Alberto Youssef e a anulação da condenação do ex-governador do Rio Sérgio Cabral por suposta propina em obras do Comperj. Ambos os casos foram revistos e anulados pelo TRF-4.
Afastado do cargo
Appio foi afastado cautelarmente do cargo de juiz federal titular da 13ª Vara Federal em 22 de maio de 22. A medida se deu após investigação apontar que ele teria acessado um processo com o contato de João Malucelli, filho de Marcelo Malucelli, desembargador do TRF-4 afastado da operação, e feito uma ligação a ele.
A investigação começou a pedido do desembargador, que se declarou suspeito de analisar processos da Lava Jato pela relação próxima de seu filho, João Malucelli, com Sergio Moro (União Brasil). João é sócio do senador e da esposa dele em um escritório.
No telefonema, uma pessoa — identificada pela apuração do tribunal como Appio — liga para João e pede o contato de Marcelo. Para isso, se apresenta como servidor da Justiça Federal. Na ligação, o filho do desembargador questiona se a pessoa é mesmo servidor e em resposta recebe: “E o senhor tem certeza que que não não tem aprontado nada?”.
O laudo questionado pelos advogados de Appio, segundo o TRF-4, foi feito em apuração da Polícia Federal e analisou a ligação telefônica. O tribunal afirma que a perícia concluiu que a voz de quem fez a ligação “se assemelha” a de Appio.
O resultado, de acordo com o relatório citado pelo TRF-4, não deu certeza de que a voz pertenceria à Appio, mas disse que “se corrobora fortemente a hipótese”.
Na época, a defesa de Appio questionou a perícia e disse que os celulares através dos quais foram realizados os supostos diálogos sequer foram apreendidos ou periciados.
Após o afastamento de Appio, o juiz Fábio Nunes de Martino assumiu em julho como titular da 13ª Vara Federal em Curitiba.
Fonte: G1