TRISTES OLHARES – 

No meu percurso diário até a escola do meu neto, faço sempre o mesmo caminho. Em um dos dois sinais luminosos que encontro, vejo, quase todos os dias, duas meninas, aparentemente irmãs, que vendem doces populares e panos de prato. Algumas vezes, estão acompanhadas de uma moça, uma jovem, que parece ser sua mãe. Vê-se que é uma tarefa de sobrevivência, dessas que observamos em outros pontos da cidade, quando são oferecidos variados produtos em ruas, praças e semáforos.

E a minha vista, experiente e acostumada com as coisas alegres e tristes da vida, não pode deixar de se enternecer com os olhares daquelas crianças. A menor, aparentando pouco mais de cinco anos, mostra-se mais descontraída e até alegre; a mais velha, talvez com nove ou dez anos, tem sempre uma expressão de tristeza capaz de incomodar – como incomoda a mim – qualquer um de nós. Sua expressão humilde aparenta acanhamento; nos braços, exibe o pequeno balde de plástico que contêm as balas e os panos de prato, a vista está sempre abaixada e mal se ouvem as suas palavras.

Já comprei algumas balas e, pelo menos uma vez, alguns panos. Entretanto, me preocupo em ver aquelas meninas expostas ao sol escaldante do meio dia, sujeitas a um acidente ou a um improvável, mas possível, assédio. Penso na sua família; aquela moça que, às vezes, lhes faz companhia seria sua mãe? Terão um pai presente? Vão à escola, têm seus brinquedos, bolas, bonecas, fazem leituras, têm amigos? Como pai e avô, lamento que uma criança assim não tenha chance de ser feliz, que necessite trabalhar duro, sem proteção aparente.

No primeiro subúrbio em que moramos, eu e meu irmão mais velho acordávamos quase todos os dias às seis horas, para coletarmos água em um chamado chafariz. No segundo subúrbio, a mesma coisa, embora em menores distâncias e com mais vigor físico. Entre os treze e os quatorze anos, “entregava” pão, suportando um balaio na cabeça. A família era pobre, tinha suas carências normais, porém era estruturada; meu pai tinha um emprego, minha mãe era uma zelosa dona de casa, comprometida e vigilante na disciplina e na educação de seis filhos.

Nos tempos atuais, observamos, em organizações civis e órgãos oficiais, ações e cuidados despertados por uma orientação humanista, cívica e social, que propõe e alerta para todas as atenções que devem merecer as nossas crianças. Elas têm seu lugar na sociedade e não podem ser submetidas a tarefas e obrigações próprias dos adultos. Precisam viver e desfrutar da sua infância. A sua formação como cidadãos do futuro deve priorizar as atividades lúdicas, inerentes ao seu conhecimento, ao contato com a natureza e para a descoberta das emoções individuais e coletivas. Não se pode negar-lhes o direito às brincadeiras.

Algumas mentalidades moralistas sustentam que o trabalho é necessário para que a criança desenvolva senso de responsabilidade e se afaste de comportamentos ou pensamentos danosos para o seu caráter. Como pobres, grande parte da nossa geração trabalhou quando criança.  Muitos não sofreram, aceitaram ou não sentiram o peso da experiência. Sou um deles. Porém, defender que é justo e correto o trabalho infantil é se eximir da obrigação de cuidar, proteger e educar nossas crianças; é não se esforçar ou não assumir responsabilidades pelo seu futuro; é se acomodar e esquecer o compromisso da sociedade, pelo menos, para evitar que meninos e meninas necessitem violentar sua infância, e com chuva ou com sol, percorrer ruas, praças e sinais, para vender toda sorte de bugigangas enquanto mostram sua pobreza e sua carência, escancaradas nos seus inocentes e tristes olhares.

 

 

 

 

Alberto da Hora – Escritor, músico, cantor e regente de corais

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