UM CAIPIRA ESPERTO QUE NEM UM CAIPIRA –
Por ser um imbróglio que envolve direitos de propriedade industrial, registro de patente e outros assuntos correlatos ainda em disputa, aqui serão omitidos os nomes dos personagens, da empresa e mesmo da cidade envolvidos na história que vou contar.
Quando eu era diretor adjunto da Campiglia Auditores e Consultores, lá em São Paulo, um dia fui chamado para uma reunião com o professor Américo Oswaldo Campiglia e seu filho, Roberto Campiglia. Resumo da ópera: teria que ir (com uma equipe) reestruturar o setor de custos de uma fábrica de chapas de madeira aglomerada, localizada no interior do Estado. O trabalho não era difícil nem fácil, pois já tínhamos experiência, expertise, sobre o assunto.
Ao chegarmos à empresa, vimo-nos envolvidos em uma nuvem de poeira que, na verdade, era pó de madeira. O pátio, o espaço que ficava entre a fábrica e a ala administrativa e que servia de estacionamento, estava coberto por aquela nuvem. Visando evitar que a poeira entrasse no prédio da administração, para se alcançar os escritórios, tinha-se que passar por dois vãos, onde nunca as respectivas portas ficavam abertas ao mesmo tempo. Aqui preciso explicar o que era aquela nuvem de pó. As chapas de aglomerado são fabricadas em três fases principais: trituração da madeira; colagem dos fragmentos e lixamento das placas. O pó era resultado da última etapa.
Ao passarmos pela recepção, notamos (até porque era a única pessoa ali presente) um senhor humilde, de braços cruzados e sentado em uma das cadeiras. Nos dias seguintes, sempre que passávamos pela recepção, ali estava o mesmo senhor. Quem diz que não é curioso é mentiroso. Um dia perguntei ao diretor da unidade: “Quem é aquele senhor que sempre fica na recepção?”. Ele também não sabia e perguntou à secretária, que respondeu que era o encarregado da turma que varria o pó. Estava de férias e todos os dias vinha, querendo falar com alguém da diretoria.
“Passando por cima da secretária”, o diretor mandou o senhor entrar em seu gabinete e perguntou o que ele desejava. Ele, o encarregado da varredura, queria vender uma ideia que acabaria com o pó de madeira na fábrica, em troca de uma casa para si, outra para o filho e mais uma viagem à Flórida (com tudo pago) para ele, mulher, filho, nora e dois netos conhecerem a Disney. O diretor quis saber como era isso. O funcionário exigiu que se escrevesse tudo em um papel, explicando que, se a empresa aplicasse suas ideias, teria que cobrir suas exigências. Foi escrito uma espécie de documento e ambos assinaram o acordo que, em síntese, era: as máquinas deveriam ser acopladas a capas plásticas maleáveis, junto às correias de lixa, colhendo o pó, que seria levado por dutos, impulsionados por exaustores, até os caminhões que o levaria aos aterros. Uma solução simples, que ninguém tinha pensado.
Um ano depois, de volta à empresa, de cara notei que o pátio estava relativamente limpo e que o corredor de entrada estava desativado. Dei os parabéns ao diretor e perguntei pelo seu funcionário prodígio. “Está na Europa, conhecendo a terra dos seus avós, por conta de sua nova ideia” – respondeu. Aí contou-me o que aconteceu. Seis meses depois de implantada sua primeira sugestão, o funcionário havia lhe levado uma nova; em troca de um carro para ele e outro para o filho e, mais, uma viagem para a Itália (com tudo pago) para ele, mulher, filho, nora e dois netos conhecerem a cidade de Carpineto, terra dos seus avós (ou de sua esposa, não me lembro bem).
Novamente a ideia era relativamente simples: em vez de jogar em aterros sanitários o pó resultante do processo de lixamento, ele, o pó, deveria ser reciclado e misturado com cola aos fragmentos de madeira, dando-lhe mais consistência e aderência e, ao mesmo tempo, resultando em superfícies mais planas e, portanto, exigindo menos lixamento. Um caipira esperto que nem um caipira. Pena é que, anos depois, tudo foi parar na justiça, como é moda hoje em dia.
Dizem que até pedido de casamento já é feito via oficial de justiça.
Tomislav R. Femenick – Mestre em economia, com extensão em sociologia. Membro do Instituto Histórico e Geográfico do RN