Pouca gente sabe, e conhece, a não essa gente interessada em coisas velhas e hoje esquecidas: o norte-riograndense Café Filho foi capa da revista Time, a mais importante dos Estados Unidos e uma das mais consagradas no resto do mundo. Pois é. João Fernandes de Campos Café Filho é apresentado como um natalense nascido nas Rocas que chegou a presidente do Brasil, em agosto de 1954, quando Getúlio Vargas, na solidão do Palácio do Catete, acabou com a própria vida com um tiro no coração.

A edição circula em dezembro de 1954, quatro meses depois do suicídio de Vargas e da posse de Café Filho, num texto não assinado, mas de um evidente interesse em agradar ao novo presidente, talvez de personalidade mais fácil e de menor estatura política do que o estadista que sucedera. O texto é todo vazado num ufanismo que vai da pujança industrial de São Paulo à beleza do Rio de Janeiro, e é neste cenário idílico que a Time emoldura o presidente do grande país próspero e o seu futuro glorioso.

O texto é intencionalmente sem visão crítica. Começa pela epigrafe – versos do hino nacional cantando o país gigante pela própria natureza, seu impávido colosso, seu futuro que espelha a grandeza diante do cenário mundial. Seu presidente, Café Filho, é mostrado como um homem simples, de fé presbiteriana, fotografado de pijama de listas na sala do seu ‘apartamento de três quartos’, simples, em Copacabana. Um homem comum, ao lado da mulher e do filho, e que gosta de tomar banho de mar.

A Time vende o Brasil como país do futuro. A ponto de a matéria afirmar, textualmente, e sem precisar de fonte credenciada, que terá um futuro próspero e será tão rico quanto os Estados Unidos. Em determinado momento do texto chama Café Filho ‘John Coffe Jr, numa clara alusão ao cenário montado na capa, com seus raios fúlgidos, verdes e amarelos, a silhueta feita de grãos de café de um homem carregando um saco e o rosto de Café Filho pintado com todo esmero, de olhar firme e forte.

Café Filho é sutilmente apresentado como um presidente diferente de Getúlio Vargas, com seus pés no chão e seu tempo que é hoje e não o futuro. Um gestor que delega tarefas aos ministros e afirma seu apoio. Que é capaz de administrar remédios amargos – seu ministro das finanças que aparece numa das fotos é o professor Eugênio Gudin – um presidente que declara poder exercer seu pequeno tempo de mandato sem ter a preocupação de conquistar votos, numa clara referência ao populismo de Vargas.

Nos anos cinquenta, o salário anual do Presidente da República girava, segundo a Time, em torno de 8.500 dólares. Fumando Hollywood, Café afirma ser um homem consciente das limitações do seu tempo, mas disposto a ser um presidente melhor do que Vargas. E não esquece de dizer que nasceu nas Rocas, na parte baixa de Natal, onde moravam os mais pobres que só podiam comer Cangulo e não Xaréu, o peixe dos ricos que moravam na área urbana mais alta. E que era, portanto, um canguleiro.

Vicente Serejo – jornalista e escritor

Ponto de Vista

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