UM CANTOR DAS ARÁBIAS –

Era domingo e o sol convidava o natalense para o litoral. Nada como o mar e a brisa para reparar a fadiga da rotina semanal do trabalho. E dentro desse enfoque, surge o publicitário Tertuliano Pinheiro, que recebeu um convite amistoso do seu amigo Nelson Freire para visita e almoço no aprazível Condomínio Porto Brasil, entre Pirangi e Cotovelo. Visão panorâmica do oceano, conforto, fidalguia do anfitrião e whisky generoso marcaram os instantes felizes dos convidados. Almoço farto e conversa amena sob agradável fundo musical, que não deixou fora o repertório das músicas  do deputado e compositor Nelson Freire, em parceria poética com o bardo novacruzense Diógenes da Cunha Lima.

O sol esmaecia. O cair da tarde exigia aos circunstantes a revitalização dos folguedos para afastar a sonolência clássica do whisky e a exaustão dos papos, que já se tornavam repetitivos. Música ao vivo! Alguém gritou. Nelson, cadê o seu violão? Eram os pedidos oportunos de outros convidados, admiradores da voz e do toque de Nelson ao violão. Um nativo daquelas plagas (empregado ou eleitor) lembra ao deputado que na comunidade existe um músico tecladista. Alvoroço. Providências. Chega finalmente o musicista e seu equipamento, armado no amplo alpendre da casa. Nova rodada de bebidas é servida com gostosos petiscos. Havia ansiedade no ar, enquanto o artista armava o seu instrumento. Tertuliano Pinheiro observava o seu perfil e fazia para si mesmo uma análise não muito lisonjeira. Conversas rápidas, risos, cigarros acesos, olhares furtivos, todo um clima que sempre antecede uma apresentação artística em qualquer teatro ou casa de show.

Após quase dez minutos afinando a pianola, o cantor arremeteu uma nota grave e sonora, como se tivesse iminente o inicio da apresentação. Todos olharam e silenciaram. Para a surpresa geral, a revelação musical de Pirangi sacou um discurso pegajoso e confuso: “É com muita alegria né, que estou aqui né, na casa de Nelson Gonçalves”. Aí o alpendre veio abaixo. Tertuliano, ao lado, desmaiou de tanto rir. “Tá bom, tá bom, toca, toca”, surgiram difusos apelos da galera sofrida. Após, o deslize nominal com o anfitrião, o pior ainda estava por acontecer. Aos tropeços, tanto a voz quanto a execução do artista eram sofríveis. A noite começava e com ela os sussurros abafados e expulsórios: “Muito bem, muito bem!!”. Mas o cantor das arábias continuava na dele porque se convencera que estava abafando.

 

Valério Mesquita – Escritor – Mesquita.valerio@gmail.com

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
Ponto de Vista

Recent Posts

COTAÇÕES DO DIA

DÓLAR COMERCIAL: R$ 5,3920 DÓLAR TURISMO: R$ 5,6980 EURO: R$ 6,3310 LIBRA: R$ 7,2050 PESO…

2 dias ago

Protestos da Geração Z derrubam mais um governo, desta vez na Bulgária

O premiê da Bulgária renunciou nessa quinta-feira (11) após protestos em massa liderados pela Geração Z…

2 dias ago

IBGE prorroga inscrições em processo seletivo com mais de 200 vagas no RN

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) prorrogou até a próxima quarta-feira (17) as…

2 dias ago

Filho de sargento denuncia ter sido agredido por militar dentro de quartel do Corpo de Bombeiros em Natal

O filho de um sargento do Corpo de Bombeiros do Rio Grande do Norte denunciou…

2 dias ago

Câmara aprova lei que autoriza prefeitura de Natal a pegar empréstimo de R$ 660 milhões

A Câmara Municipal de Natal aprovou nesta quinta-feira (11), em regime de urgência, um projeto de lei…

2 dias ago

Metrópole Digital da UFRN oferece 59 vagas para profissionais e estudantes de TI e design; bolsas são de até R$ 6,2 mil

O Instituto Metrópole Digital anunciou a abertura de um processo seletivo com 59 vagas para…

2 dias ago

This website uses cookies.