UM CORAÇÃO NORDESTINO –
Nenhuma cidade, do Brasil ou do Nordeste, tem a luminosidade e a cor de Natal. É uma opinião carregada de amor à terra, ao berço, ao regaço, ao habitat natural e social, representado por um confesso provincianismo que já foi a marca de ninguém menos do que o nosso Luís da Câmara Cascudo.
O escritor Manoel Onofre Jr, no seu Breviário da Cidade do Natal, descobre para nós que o natalense não é bairrista. É verdade. Aqui não exercitamos aquele amor que vemos nos oriundos e habitantes de praticamente todas as cidades do Brasil. Viajei por algumas, conheci moradores de várias e digo: os outros amam as suas cidades; o povo de Natal, não. Cometemos o absurdo de, vez por outra, até denegrir as belezas naturais, os equipamentos públicos, os habitantes, enfim, tudo que se relacione às nossas coisas.
Eu não. Não imagino e nunca sequer pensei em deixar a minha para viver em qualquer outra cidade do Brasil ou do mundo. E não é porque acho Natal a melhor cidade, absolutamente não. É porque eu sei que o melhor lugar para uma pessoa é aquele onde ela nasce, vive, trabalha, angaria seus amigos, constitui família e planta suas raízes sociais e afetivas. O amor e a defesa consciente dos valores e características da cidade seriam bem capazes de gerar um escudo de proteção contra aqueles que teimam em nos menosprezar, atribuindo a nós, como nordestinos, algumas pechas que nos colocariam em posição inferior às demais regiões do Brasil.
No final dos anos 70, em visita de trabalho a São Paulo, um funcionário da Caixa duvidou da minha palavra quando eu disse que tinha viajado de avião até lá. (Como foi isso? E lá vocês têm aeroporto?). Aproveitei para dizer que – na época – tínhamos uma das maiores pistas de pouso da América do Sul, herança da ocupação militar ianque em Natal, na Segunda Guerra. Relevei com humor as suas besteiras porque ele, depois, mostrou-se também desinformado em outras questões. Obrigou-me, entretanto, a fazer uma defesa de todo nosso Nordeste.
Porque há os que debocham do nosso sotaque, dos nossos hábitos sociais, do nosso modo de vida, e defendem que está no Sul a melhor herança genética e cultural do país. Esquecem que a grande maioria da nossa população tem suas raízes nas aldeias ou como herança de tantos degredados e facínoras que povoaram o país no início da colonização. Por aqui (ou por lá), quando o Brasil nascia, não aportou nenhum expoente da cultura mundial. Unamuno, Cervantes, Calderón de la Barca não estavam entre os espanhóis; não desembarcou um só Camões junto com os portugueses; entre os imigrantes italianos não estavam Agostinho de Hipona ou Dante Alighieri, por exemplo. E não se tem notícia de que Goethe, Wagner ou Amadeus Mozart estivessem entre os primeiros alemães, comunidade cuja presença, hoje, é motivo de orgulho para os sulistas.
Aqui recebemos, acatamos e respeitamos todas as pessoas, de todos os estados e regiões com hospitalidade e carinho próprios de um povo que conhece o valor da amizade e da colaboração mútua. O grande Luiz Gonzaga, embora com blague e alegria, sempre tratou o Nordeste como país. Ele, nordestino “da gema”, acreditava na pujança e na energia da região, como produtora das melhores cabeças pensantes e da melhor cultura popular e de grande potencial para tornar-se e ser reconhecido como uma nação! Sim, como nação; porque o Nordeste, em que pese o descrédito e o descaso, teria todas as condições para sobreviver como um país independente.
Matéria prima não nos falta.
Temos todas.
Alberto da Hora – escritor, cordelista, músico, cantor e regente de corais
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