UM DOS TESOUROS DO SERIDÓ –
O Seridó não se contenta em viver no Rio Grande do Norte (26 cidades) e avança sobre a Paraíba. O espaço é privilegiado desde o subsolo à cultura de sua gente. Afinal de contas, a palavra Seridó é originária de serid, do hebraico clássico, que significa Refúgio do Altíssimo. Os habitantes da região têm cultura distinta: costumes, alimentação, devoção, sotaque, tipo físico. É grande a riqueza mineral, tungstênio, molibdênio, ouro, cobre e ferro, e de pedras preciosas como águas-marinhas, turmalinas, ônix. Pesquisas identificarão novas minas.
Há também jazidas humanas, pouco sabidas, inteligências protagonistas do passado. Uma delas, Tristão Barros (1896 – 1936) foi transformado em livro por professores, sob a liderança de Eva Cristini Arruda Câmara Barros e Joedson Weslly de Medeiros Batista. O trabalho é simplesmente maravilhoso, com estudos e iconografia. A agradável seleção de crônicas é produto que deverá ser fonte e objeto instigador de pesquisadores.
Tristão, pai do múltiplo Genibaldo Barros, escreveu em periódicos de Currais Novos: O Porvir, Ninho das Letras e Galvanópolis. Formado em Farmácia, foi escrivão e fazendeiro. Em sua farmácia, reuniam-se os intelectuais da terra, pessoas do porte de Vivaldo Pereira, Mariano Coelho, Mário Moacyr Porto, Maria do Céu Fernandes.
O cronista gostava de usar pseudônimos: K Zuza, Tob, Tobjim, Cleto Jatobá, além do identificador T.B. Essas iniciais podem ser usadas também por seus netos: Tristão, Tarcísio, Thiago e Thaisa. Lalinha esclareceu-me que foi mera coincidência. Deuscência.
Através de Tristão, os organizadores do livro vivenciaram o cotidiano da cidade seridoense e de seu entorno no começo do século XX. Foi época de efervescência do pós-guerra, do modernismo (futurismo de Marinetti), do desenvolvimento da aviação. Em nosso Estado, Juvenal Lamartine estimulava a criação de campos de pouso, fundava aeroclubes, promovia movimentos literários e espantava o País com o voto feminino, aprovado pelo governador José Augusto.
Tristão a tudo estava atento. Romântico tradicionalista, fazia críticas e ironizava: “Se os homens voam, as aves podem falar. Deus fez o homem muito diferente do passarinho”. Dizia que política exigia segredo, confidencia e pergunta: “Já viu mulher guardar segredo?”. No tempo, seria criticado como não feminista. Para ele, o mundo é ilusão, mas reconhece que a ilusão são flores e que “o amor é a mais suave das ilusões”. Às vezes, salienta a tristeza circundante porque habitamos um “planeta das dores”. Cita escritor francês para quem é preciso chorar quando não mais se ama. O amor é superior aos outros sentimentos.
Atualizava-se lendo muito. Escritores como Coelho Neto, Álvaro Moreyra, Jacques Bossuet. Reclama do atraso dos jornais e sobre um deles faz crítica inteligente. O antigo Diário de Natal publica reportagem sobre uma estranha voz que se fazia ouvir na serra: “Haja pau, haja pau, haja pau”. Segundo o jornal, seria emitido o estranho som por ave desconhecida. Ele ironiza dizendo que essa ave deve ser estrangeira e é certamente poliglota.
Em louvor do escritor, funciona na cidade a Escola em Tempo Integral Tristão Barros, estabelecimento modelar e ganhador de prêmios nacionais.
Eva descobriu uma botija cultural, cheia de moedas de ouro, cobre e ferro. Mas o Seridó ainda tem muitas outras botijas conhecidas e outras ainda enterradas.
Diógenes da Cunha Lima – Advogado, Poeta e Presidente da Academia de Letras do RN