UM JURISTA MISTERIOSO –
Gaston Leroux (1868-1927), escritor francês, é mais conhecido como o autor da fábula/mistério “Le Fantôme de l’Opéra” (“O Fantasma da Ópera”), de 1910. Inspirada na Opéra de Paris – também conhecida como Opéra Garnier ou Palais Garnier –, nos seus subterrâneos e nas histórias e estórias ali alegadamente sucedidas, “Le Fantôme” de Leroux é ponto de partida de um caso de imenso sucesso. Foi reinterpretado e adaptado inúmeras vezes para o teatro e para o cinema (arte da qual Leroux pode ser considerado um dos precursores, com a fundação da Société des Cinéromans, em Nice, em 1919). Sobretudo virou um musical de Andrew Lloyd Webber (1948-), “The Phantom of the Opera” (1986), que bateu recordes de público e permanência na West End londrina e na Broadway novaiorquina, superando o também mui querido musical “Cats” (1981), do mesmo Webber. O enredo e a música de “The Phantom of the Opera” são fantásticos – e o trocadilho aqui é proposital e preciso. Eu mesmo já assisti ao dito cujo não me lembro quantas vezes (a memória vai ficando fraca com a idade).
E se “Le Fantôme de l’Opéra” é em si um caso a ser “investigado”, há, na vida e na obra de Leroux, “mais mistérios do que ousa imaginar a nossa vã filosofia”, digo, crítica literária.
Primeiramente, há o que podemos chamar de sua produção de romances “góticos”, a exemplo do “Fantôme”, tais como “La Double Vie de Théophraste Longuet” (1904), “L’Épouse du Soleil” (1913) e “La Poupée sanglante” (1924)”. Adoro esse tipo de fábula, admito.
Tem-se a série de estórias de Rouletabille – o repórter detetive de inteligência dedutiva incomum –, iniciada, em 1908, com “Le Mystère de la chambre jaune”. Rouletabille continua o herói de outros romances, tais como “Le Parfum de la dame en noir” (1909), “Rouletabille chez le Tsar” (1913) e “Le Crime de Rouletabille” (1922). Já àquele tempo temos um jornalismo investigativo, embora imaginativo, de primeira qualidade. E, claro, conhecemos um forte concorrente para os mui queridos Sherlock Holmes e Arsène Lupin.
Ainda mais curioso para os profissionais do direito é o fato de que Leroux é também autor de um conjunto de romances marcadamente “jurídicos”. Iniciada em 1913, a série “Chéri-bibi” tem como pano de fundo um erro judiciário e cai num “gênero” de melodrama de muito sucesso na virada do século XIX para o XX. O anti-herói do título é um jovem acusado de um crime que não cometeu, fugido da prisão, simpático malgrado seus crimes abomináveis, que, para explicar seus malfeitos e suas frustradas tentativas de sair da vida do crime, invoca uma peculiar maldição celestial, resumida na alocução latina: “Fatalitas!”.
Aliás, Leroux, por sua vez um jurista “frustrado”, abordou várias vezes o direito em suas obras, até com análises jusfilosóficas, como em sua peça “La Maison des juges”, de 1907, em que ele milita contra a pena de morte, da qual era, na vida civil, um adversário resoluto.
Pondo de lado o legado de “Le Fantôme de l’Opéra”, decerto a obra-prima de Leroux é o seu romance “Le Mystère de la chambre jaune” (“O mistério do quarto amarelo”), um clássico de enigma de quarto fechado. E é da minha edição de poche desta obra (da Maxi-Livres, 2005) que retiro uma pequena biografia jurídico-literária do autor: “Nascido em Paris em 6 de maio de 1868, Gaston Leroux trabalha como advogado após estudar direito. Mas, às coisas das lides, ele prefere as maravilhas da arte e sonha em ser escritor. Para viver da pena, ele começa por fazer jornalismo. Seu conhecimento do direito lhe permite começar como repórter judiciário no diário Le Matin. Foi nas colunas desse jornal que ele publicou, em 1903, o seu primeiro romance, Le Chercheur de trésors: ele faz sua entrada na carreira literária, mas não exatamente como havia imaginado, já que ele vai se tornar um dos mestres do romance-folhetim policial. Grande repórter, à maneira do seu futuro herói Joseph-Joséphin, dito Rouletabille, jornalista profissional e detetive amador, ele percorre a Europa para o seu jornal (…)”. O resto é história e estórias.
Bom, quedo muito curioso sobre esse “jurista misterioso”. Vou reler “Le Mystère de la chambre jaune”. Já não me lembro mais do seu fim. Como dito, a memória já está ficando fraca.
Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Mestre em Direito pela PUC/SP