UM MUNDO TRANSPARENTE –

Você já comprou algum livro e deixou de lê-lo por mais de trinta anos?

Eu já: “Um Mundo Transparente”, de Morris West.

Sempre que me debruçava sobre as primeiras linhas, algo me direcionava para que ignorasse a narrativa e recolocasse o livro na estante.

Fico me perguntando: teria sido providencial? Não teria eu, à época, discernimento para entender o paralelismo da história?

Refiz-me de tamanho desprezo e agora em 2018, compulsoriamente abracei o livro como uma espécie de ‘me desculpe’ fazendo dele meu principal aliado, na missão de desvendar a magnífica obra de ficção escrita por Morris West.

Tá curioso?

A narrativa principal registra a sessão de psicanálise feita por Carl Jung sobre uma paciente chamada Magda. Até esse encontro, ambos trilham caminhos diferentes. Carl Jung dividido entre a família e suas pesquisas com a assistente Toni. Magda, médica com carreira curta por desacerto em sua vida, que apesar de sua boa condição financeira e de uma liberalidade fora dos padrões provincianos de uma Europa, em que os grandes nomes da psiquiatria davam seus primeiros passos no caminho da ciência, que investiga e tenta decifrar o inconsciente humano.

No início do livro, o autor nos alerta:

“Esta é uma obra de ficção baseada num caso registrado sucintamente por Carl Gustav Jung em seu livro autobiográfico “Memórias, sonhos, reflexões”. A anamnese não está datada e é estranhamente incompleta”.

A leitura prendeu minha atenção por dois motivos simples: pela forma como a narrativa foi sendo desenvolvida, favorecendo ao leitor ir retornando ao tempo dos fatos, tidos como 1913, e pelo paralelismo das histórias de vida, ora pessoal ora profissional de Carl Jung e Magda. Paris e principalmente Zurique são cenários nos quais decorrem os acontecimentos.

O desfecho final, afunilado pelo encontro entre Jung e Magda, num esplendoroso diálogo analista do então famoso médico com a mulher que, depois de tantas experiências vividas, sentia-se “vazia” e em busca de uma razão para continuar vivendo, ressalta o quanto é importante conhecer-se para fazer algo útil por si e pelo outro.

Selecionei pequenas citações sem especificar o contexto e a pessoa que fala. Apenas para dar uma pequena ideia de como transcorre a narrativa.

Quando uma mulher despe sua alma, é muito mais perigosa do que se simplesmente tirasse a blusa e a saia”.

 “Eu tinha certeza absoluta. E tinha certeza também de que precisava da ajuda de alguém”.

 “Gestos não retribuídos podem se acumular como registros num livro caixa, até que toda a equidade do casamento está consumada”.

 “Tudo que posso dizer é que são personificações do meu subconsciente”.

 “Não somos iguais nisso. Não posso dividir minha vida em pequenas fatias e distribuí-las como um bolo…

 “As pessoas se acostumam a situações que outros poderiam considerar escandalosas”.

 “- Imponha paciência à sua alma. / – Não tenho alma. / – Pois então imponha paciência a seu corpo. / – Que diabo você pensa que tenho feito?”.

 “… não importa se acreditamos ou não em Deus. O que conta é que Ele sabe a nosso respeito”.

 Jung e Magda “analisam-se” a partir de sonhos que ambos têm com seus significados e influências no subconsciente e consciente.  Afora os argumentos filosóficos e psicológicos, há também interpelações religiosas envolvidas no drama dos personagens.

O livro termina precisamente com esta frase: “… Estou solitário esta noite. Nunca pensei que pudesse sentir tanta saudade de uma mulher…”.

Leia.  Não espere trinta anos. Pode ser um tempo demasiado.

Meu mundo ficou mais transparente.

 

 

Carlos Alberto Josuá Costa – Engenheiro Civil, escritor e Membro da Academia Macaibense de Letras ([email protected])

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *