Nelson Freire
No final de 2006, quando participei da minha última eleição para deputado, depois de vinte e quatro anos de mandatos sucessivos, amanheci numa manhã triste e abri as cortinas para olhar o mar. Da janela do meu quarto me surpreendi ao ver um navio ancorado ao longe, em frente ao meu edifício. Lá, bem próximo da linha do horizonte, onde a coloração é de um verde mais escuro, denunciando a profundidade do local. Ele pareceu para mim naquele momento como parte de um belo quadro. Emoldurado pelo janelão de vidro, de onde vejo a praia e a imensidão do oceano. Ali, parado, o navio esperava a liberação para seguir viagem ou para ancorar no cais.
Um dia se passou e aquela embarcação continuou inerte, ao sabor das ondas, no mesmo lugar. Olhei pelo binóculo e não percebi nenhuma ação no convés. E ele continuou ancorado, como se realmente descansando de tantas viagens pelo mar. Por vezes eu me imaginei estar dentro dele, ávido, tenso, na expectativa de uma ordem, de um desiderato.
Em mais um novo amanhecer, o terceiro seguido, outra novidade. No meu raio de visão, não via mais apenas uma embarcação ancorada. Estavam ali duas delas, praticamente na frente da minha janela, as quais eu podia enxergar nitidamente. Elas me deram a impressão de que estavam juntos, encostadas, numa paralela e todas as duas completamente paradas, embelezando ainda mais a bela paisagem, já que o mar, por si só, é absolutamente completo.
Durante quase uma semana, do amanhecer ao entardecer, fixei os meus olhos no oceano, como se estivesse admirando um quadro bonito, com os dois navios contrastando com a linha do horizonte. Até que na sexta manhã o cenário mudou. Ao abrir a janela, eu só pude ver o segundo deles ancorado. E me senti triste, porque não tinha acompanhado a partida do primeiro. Certamente nunca mais teria a oportunidade de admirar aquela bela embarcação parada em frente ao meu quarto.
Com a partida do navio, restaram comigo as perguntas que eu havia feito a mim mesmo por seis dias, sem obter sequer uma resposta. De onde ele viera e para onde iria. Se ele prosseguiria viagem ou se fora ancorar no cais. Nessa noite, fui dormir ainda um pouco mais triste.
Já na manhã seguinte, seguindo o impulso de sempre, abri a cortina e olhei pela janela, nos primeiros raios do sol. E aí, o segundo navio também já não estava enfeitando as águas azul turquesa do oceano, do mar exuberante que eu tenho em frente de onde moro. Havia deixado assim, definitivamente, nua aquela visão de quadro, que me chamara a atenção ao longo de toda a semana. Nessa sétima noite, dormi ainda mais desolado.
Mas no inicio do dia seguinte, ao acordar e olhar novamente o oceano, ainda com o doloroso sentimento de perda do belo componente do quadro que imaginei na mente, eu percebi ao longe uma silhueta que se aproximava daquele mesmo espaço. Essa observação me deixou com uma inexplicável sensação de felicidade. Peguei o binóculo e me pus a bisbilhotar o horizonte. E pude enxergar, no limite máximo da visão, outro belo navio se aproximando da costa. E compreendi que ele iria parar também em frente a minha janela.
No inicio da tarde, ele de fato ancorou impávido, exatamente naquele mesmo lugar. E diante da antevisão de um novo quadro, comecei a refletir sobre a própria vida. E comecei a perceber no meu íntimo o quanto ela é mesmo um eterno vai-e-vem, tal como as próprias ondas quebrando na praia. Pude então compreender que sempre haverá imagens bonitas para se ver. Que novas oportunidades surgirão. E também que sempre poderá haver um novo recomeço. E tive naquele instante a certeza de que em breve, eu estaria vendo, não mais as mesmas, porém outras embarcações parando ali na minha frente, embelezando o meu mar e enchendo a minha alma de alegria. Ensinando que a vida não para. E que sempre há tempo para se reinventar.
Nelson Freire – Economista, Jornalista e Bacharel em Direito
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