UM PEDAÇO DE CARNE –

Madalena era uma mulher muito pobre, que tinha uma mãe paralítica para sustentar e uma irmã retardada mental.
Muito sofrida, tinha sido prostituta no tempo da II Guerra, chegando a ganhar muito dinheiro dos americanos, que permaneceram em Natal, durante algum tempo. Como era feiosa, muito alta e desengonçada, além de analfabeta, a jovem não teve a sorte de algumas colegas suas. Nenhum americano se apaixonou por ela.
Depois que a guerra terminou, Madalena continuou em Natal, na mesma miséria em que vivia antes.

Mesmo sendo analfabeta, aprendeu a falar o inglês corrente, com os americanos. Falava, entendia, mas não lia nem escrevia nada. Continuou analfabeta, no português e no inglês. Nunca conseguiu fazer um pé de meia, no exercício da profissão mais antiga do mundo.

Desiludida com a vida de prostituta, Madalena procurou trabalhar como empregada doméstica, na casa de um conhecido professor de Natal.

Na Praça Padre João Maria, onde ficava localizada a casa em que trabalhava, alguns mendigos faziam ponto para pedir esmolas. Madalena sempre lhes dava sobras de comida, com o consentimento da patroa. Não deixava ir para o lixo nenhum alimento em perfeito estado. Guardava tudo para dar aos pobres, em latas vazias, de queijo do reino ou de leite em pó.

Fanática pelo governador Aluízio Alves, Madalena só usava roupas verdes, a cor da bandeira do partido do seu ídolo. Era uma figura estranha. A vida sofrida, que até então havia levado, ao que tudo indica, perturbara o seu juízo. Seu raciocínio era muito lento. Mas a patroa gostava dela e sempre a protegia.

A Praça Padre João Maria, atualmente abandonada pelo poder público, era muito sombreada por pés de “Ficus Benjamins”, tendo sido, durante muitas décadas, uma das Praças mais agradáveis de Natal. Além de ter vários bancos, onde as pessoas sentavam para conversar, havia, ao centro, a imagem do Padre João Maria, o “Santo de Natal”, circundada por uma grade de ferro, ornamentada com flores, e com local para se acender velas, pagar promessas e fazer ofertas.. Esse “Santuário”, hoje ainda existe, decadente e sem conservação.

Na Praça Padre João Maria, também havia algumas palmeiras, quase centenárias.

Na sombra de uma dessas Palmeiras, fazia ponto, para pedir esmolas, um mendigo, conhecido pelo apelido de Santo Antônio. Na verdade, seu tipo físico lembrava mesmo o venerado Santo. Era calvo e franzino. e às vezes dormia ali mesmo, no canteiro que rodeava a palmeira.

Num certo dia, o mendigo, apelidado de Santo Antônio, passou mal no canteiro onde pedia esmola e teve um terrível desarranjo intestinal. Algumas pessoas que passavam pelo local queriam ajudá-lo, mas não tinham como. Madalena, de dentro de casa, ouviu o tumulto perto do mendigo e, sem pedir licença aos patrões, pegou o pobre coitado pelo braço e o levou para o banheiro que usava, no quintal da casa, dando-lhe um banho e lavando-o com o seu próprio sabonete. Depois o enrolou numa toalha sua. Enquanto isso, adentrou à casa, e foi pedir ao patrão uma roupa usada para vestir Santo Antônio, cujas vestes tornaram-se imprestáveis.

Muito caridoso apesar de não frequentar a Igreja, o patrão, imediatamente, providenciou uma cueca, uma calça e uma camisa, do seu uso pessoal, para o mendigo, e ainda um cinturão.

Dona Josefa, a patroa, uma senhora muito religiosa e que ia à Missa diariamente, ficou indignada com o ocorrido. O fato de Madalena ter dado um banho em Santo Antônio, o mendigo, e tê-lo visto nu, para ela havia sido uma falta de respeito.

A austera patroa voltou-se, então, contra a serviçal, dizendo:

-Você não tem vergonha, Madalena?!!! Você inventou de dar banho em Santo Antônio, somente para vê-lo nu!!! Foi muito enxerimento e falta de respeito à nossa casa!!!

Madalena, sempre muito humilde, dessa vez ficou revoltada com a patroa e respondeu:

-Desculpe, Dona Josefa, mas a senhora “tá” fazendo essa confusão toda, somente porque eu fiz uma caridade a um pobre coitado?!!! O que eu vi foi apenas um pedaço de carne !!!

A patroa quis despedir a empregada, mas o professor não permitiu.

E Madalena permaneceu trabalhando na mesma casa e fazendo suas caridades, na medida do possível, por mais alguns anos.

 

Violante Pimentel – Escritora

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