UM SIMBOLO DE FALSIDADE –
Assimilei, há algum tempo, a verdade de que viver é estar preparado para participar de todos os tipos de jogos, inclusive os considerados brutos, porque o cotidiano nem sempre é repleto de autenticidade. Mesmo sabendo, a maioria das pessoas preferem gastar energias em mentir, pois uma invenção leva mais tempo para ser dita, que simples verdade.
Existem seres humanos apostando na força de mentiras, falsos sentimentos e atitudes forçadas, oferecendo a impressão de o mundo ser montado sobre roteiros e personagens geradores de um cenário de pura ficção.
Assim, como um autêntico vivente, outro dia pratiquei um verdadeiro ato de purgação, enfrentando, por quase noventa minutos, a fila de um banco. Lá chegando, apesar de existirem fixados em diversos ambientes do salão, cartazes informando que o tempo máximo de espera, jamais ultrapassaria meia hora, a incerteza, me fez levar um livro, além de também ficar à espreita dos que ali se encontravam, até para melhor entender as pessoas.
Quando menos esperei, estava quase me sentindo como o personagem de Alfred Hitchcock em “Janela Indiscreta”, pois ficara observando os acontecimentos, na expectativa de ver as horas passarem mais rapidamente. E, confesso, de alguma forma apreciei a experiência.
À minha direita, uma criança chorava sem parar, espirrando constantemente e, quando tal acontecia, uma rajada de catarro lhe escorria do nariz, caindo até o queixo, para logo após ser sugado, retornando para onde saíra. Um verdadeiro balé, tipo “águas dançantes”, foi o mencionado sobe e desce da secreção amarelada.
A meu lado, uma veterana senhora alardeava fatos do seu cotidiano aos que se encontravam ao redor, que, como eu, fingiam não ouvir, embora escutassem tudo. Após poucas palavras, aprendi ser sua vida um autêntico queixume: O marido bebia demais; Mesmo já aposentada, o governo cortara parte de seu salário; O cachorro de estimação pulara do terceiro andar e o filho somente acordava diariamente às treze horas.
Confesso, porém, me haver chamado mais atenção a atuação de servidor da casa, posicionado detrás de uma bancada. Ao conversar com os que buscavam informações, fazia-o sem lhes olhar nos olhos e os cumprimentava, estendendo a mão que mais parecia uma carcaça de moreia mole, ou oferecendo-lhes somente as pontas dos dedos, quase imitando uma pinça, como se estivesse com nojo dos atendidos.
O mais interessante, contudo, aconteceu ao aparecer um cliente nos mesmos moldes do funcionário. Ambos conversaram, olhando um para o ombro do outro, e ao se apresentarem o fizeram com os dois braços espichados, mãos gelatinosamente caídas, tocando uma na outra sem se apertarem. Uma espécie de encontro entre polvos. Um “dá cá mais cinco” entre recém-acidentados, na primeira aula de fisioterapia.
Ao concluir minhas tarefas bancárias, deixei o local. Lá fora, o sol brilhava em demasia. Deletei em parte os eventos presenciados minutos antes, embora jamais haja esquecido o cidadão da mão mole, para mim, um dos símbolos de falsidade.
Alberto Rostand Lanverly – Presidente da Academia Alagoana de Letras