UM SÓ EM DEZ, CEM…MIL CORDÉIS –
A folha de papel me sorria. Ela tentava, a todo custo, seduzir-me, dizendo: Deixe de bruteza, menina! Avie que tá meidiinha! Deixe de espinhela caída. Cuide de bater essas ideias fubentas e arroche o nó. Bote essa caneta pra trabalhar!
A minha cabeça estava tonta, girava para todos os lados, menos, claro, para o lada da inspiração. Nada me surgia em métricas. As sílabas poéticas estavam escorregadias e as redondilhas só me causavam alvoroço com cinco, sete sílabas, que não me deixavam assoletrar as ideias, nem em menores ou maiores versos.
Será que estava eu fadada a cair no esquecimento literário, ser banida da confraria e, quiçá, ter suspenso o meu espaço quinzenal, onde trovo minhas cantigas, minhas dores e amores, impressões e devaneios, coisas e causos vistos e vividos, entre achados e perdidos?
Lá estava eu, diante do poeta maior, aliás, diante do O olho torto do Rei, de frente para o fascínio e encantamento que a sua obra nos causa. Sim, a obra do poeta Antonio Francisco possui o incrível poder de transportar-nos para um mundo de devaneios e sonhos, provocando nosso imaginário com o que há de melhor em nós; atiçando nosso senso de justiça; chocoalhando as reflexões; e, dizendo-nos que não custa nada ser bom, basta ter humildade e tirar mais doce do tacho do coração.
Essa é a simplicidade que se enxerga na grandeza de seus versos, sem precisar fazer das tripas coração, pois força tem quem se abaixar para levantar seu irmão. Agora eu era pura inspiração, rendida às sextilhas e aos reflexos do espelho da minha alma, que insistiam em me sorrir e dizer:
Se foi armação ou não
Se foi distorção de som
Se foi a minha vontade
Se foi meu trabalho ou dom
O que foi deixa ficar
Eu vou tentar me ajeitar
Não custa nada ser bom
Esse trecho retirado do cordel “Não custa nada ser bom”, de Antonio Francisco, enfim, me fez compreender que, para ser grande é preciso, antes, ser igual ao poeta.
Flávia Arruda – Pedagoga e escritora