UM SOLTEIRÃO CONVICTO –
Olegário, 65 anos de idade, aposentado e um solteirão convicto até chegar aos 60. Filho de mãe costureira e pai agrimensor não conheceu moleza na vida. Ajudando ao pai aprendeu topografia e arranjou um emprego no Estado onde nascera.
Durante anos viu o tempo passar através das lentes de um teodolito. Na meia-idade resolveu cursar Engenharia. Levou dez anos para se graduar; não por falta de inteligência, mas pela dificuldade de conciliar o estudo com o trabalho.
Mesmo avesso ao casamento nunca alguém contestou a sua masculinidade, pois era um raparigueiro de primeira linhagem. Quinze anos atrás conheceu Miroslava, moça fina de classe média e origem ucraniana, formada em Enfermagem. Foi amor à primeira vista com similaridades de gostos e de pensamentos.
Bastaram algumas semanas de relacionamento para saberem que haviam sido feitos um para o outro. Após cinco anos de vida conjugal, com cada qual no seu canto, oficializaram a união e foram morar juntos.
Encontrei Olegário numa mesa da praça de alimentação do shopping Midway Mall, em Natal, diante de uma caneca de chope e olhar perdido no vazio. Quase não o reconheci sem o bigode. Mesmo assim arrisquei entabular conversa:
– Olá, por acaso você é o Olegário?
– Sou eu mesmo, cara!
– Rapaz, há quanto tempo não nos víamos. Conte-me sua vida!
– Mudou radicalmente, cara. Casei-me! – falou consternado.
– Contra quem? – brinquei.
– Com a Miroslava.
– Mas, cadê a aliança? – perguntei.
– Aqui, oh! – mostrou-me a dita peça guardada no bolso da camisa.
– Por que não a usa? – insisti.
– Tenho cá minhas razões para não mais usá-la – e continuou:
– Cara, eu já estava ficando louco. Miroslava mudou, radicalmente, depois do casamento. A doce mulher se transformou numa caninana desprezível.
E ele complementou:
– Cara, você me conhece bem e sabe de minha origem humilde. Eu não passo de um simples fazedor de estradas. Que eu saiba, isso nunca incomodou Miroslava, mas bastou o padre abençoar a nossa união para a coisa mudar de rumo.
Permaneci calado, mas ele não:
– A mulher obrigou-me a trocar a cueca todos os dias e abdicar da minha rede para dormir na cama. Afastou-me dos amigos, acabou com o carteado semanal e me proibiu de perambular pela casa sem camisa. Logo ela que dizia adorar ver-me desfilar pelado. Arranjou-me um professor de ucraniano e convenceu o pai a me ensinar tocar cítara. Isso mesmo, cítara! – respirou fundo e foi adiante:
– E o pior: fez-me pintar as unhas, aparar os pelos dos ouvidos, sovacos e nariz, e até a intocada penugem de minha intimidade setentrional, ela cismou depilar. A tudo suportei sem reclamar. Mas quando quis me privar do bigode eu esperneei. Não admiti, por hipótese alguma, me desfazer dele. Ontem, ela me induziu a ficar de porre no jantar, esperou eu adormecer e raspou o bigode. E ainda teve o desplante de usar a navalha que pertenceu ao meu falecido pai.
Ainda conversávamos quando dois homens se postaram ao lado da mesa, e um deles nos consultou:
– Quem é o senhor Olegário?
– Sou eu! – respondeu o colega.
– Encontramos sua esposa assassinada a navalhadas, hoje pela manhã. Precisamos leva-lo à delegacia para depor. Mexa-se!
Olegário levantou-se e acompanhou os investigadores. Posso estar enganado, mas notei um sorriso sutil nos seus lábios. Afinal, Olegário conseguiria a liberdade de continuar solteiro pelo resto da vida.
José Narcelio Marques Sousa – Engenheiro civil e escritor – [email protected]