UM TANGO, POR FAVOR! –
Com relativa competência, gosto de cantar tangos. Porém, com o arrebatamento limitado de um brasileiro que, antes da milonga portenha cultua o gingado do samba, o arrasta-pé do forró e a dolência do samba-canção. De um admirador distante que, mesmo nunca tendo se deixado levar pelos atrativos e licenças da Folia, não tendo “brincado”, ainda assim, exalta a alegria necessária do Carnaval. O tango faz parte desse amor pela música e pela beleza plástica da sua dança.
Aqui no Brasil o tango já chegou a ser popular, nas vozes do luso-brasileiro Albertinho Fortuna e do querido e celebrado Nelson Gonçalves, que cantou muitas versões famosas nos anos 1950, como Mano a Mano, O Dia em que me Queiras e Ciúme. Nelson também ajudou a popularizar o gênero entre nós interpretando célebres “tangos brasileiros”. Muitos ainda lembram de Hoje quem Paga sou Eu, Vermelho 27, e uma homenagem aos “tangos, bandoneóns e uma guitarra que geme”, de Carlos Gardel, compostas por Herivelto Martins e David Nasser.
Na Argentina, o berço do tango, destacaram-se muitos intérpretes. Roberto Goyeneche, Alberto Marino, Edmundo Rivero, Angel Vargas, Julio Sosa. Carlos Gardel é uma história à parte. Pontuaram célebres orquestras e maravilhosos arranjadores. Francisco Canaro, obstinado trabalhador do tango, Roberto Firpo, um inovador de harmonias, Mariano Mores, também compositor. E, mais atualmente, Astor Piazzola, que mesmo enfrentando resistência dos tangueiros tradicionais, afirmou seu talento como renovador e “modernizador” do tango.
Entre autores famosos e seus títulos imortais figuram Carlos Gardel, Alfredo Le Pera – parceiro mais habitual de Gardel – Paschoal Contursi, que inventou o tango-canção, Aníbal Troillo, Enrique Santos Discépolo, Celedonio Flores e Homero Manzi, na sua maioria reverenciados como verdadeiros “poetas do tango”.
CARLOS GARDEL, A VOZ DO TANGO
Foi um dos artistas que mais me impressionaram, tanto pela obra, como pela história de vida – um homem íntegro, leal e um artista generoso, de conduta irretocável, no testemunho dos biógrafos – e pelos contornos dramáticos da sua morte. Um terrível acidente aéreo, no momento de uma decolagem, desde o aeroporto de Medellín, Colômbia, em 25 de junho de 1935, ceifou a vida de 20 passageiros, incluindo Gardel, seus músicos e companheiros de viagem. Mesmo nascido depois da tragédia que o vitimou, trato Carlos Gardel como se fosse contemporâneo. A sua música e as suas interpretações ainda arrebatam e encantam. Um artista que permanece importante para a Argentina e para o mundo inteiro. Era visceral, carnal, espiritual, tudo que um artista deseja alcançar como meio e fim na arte de cantar.
Foram criadores como esses que nos legaram eloquentes obras, vivas até hoje. Mano a Mano, Cuesta Abajo, El Dia Que Me Quieras, Mi Buenos Aires Querido, Por Una Cabeza, Volver, La Cumparsita, A Media Luz, Adiós Muchachos, Adiós Pampa Mia, Caminito, Cristal, Cuesta Abajo, Esta Noche me Emborracho, Gricel, Madresselva, Melodia de Arrabal, Sus Ojos se Cerraran, Tomo y Obligo (último tango cantado por Gardel), Uno, Sin Palabras. Esta última, imortalizada por uma raríssima cantora do gênero, Libertad Lamarque.
Então, vamos ouvir um tango. Convido meu antigo colega Carlos Galvão e dona Julita, meu amigo – estudioso do gênero – José Geraldo e sua parceira Neta, que sempre amaram e dançaram ao som de uma milonga. Peço que preparem um contrafilé da Casa Senhor Tango, Carlos Josuá reserve um autêntico Malbec, de Mendoza e Nei Costa nos conduza ao El Viejo Almacén, em Buenos Aires. E lá rogaremos ao bandoneón, ao piano, guitarras e violinos de alguma Típica portenha, que nos encantem e emocionem. Que para nosotros, hermanos brasileños, toquem pelo menos um tango, por favor.
Alberto da Hora – escritor, músico, cantor e regente de corais