Adauto José de Carvalho Filho*
O processo de aculturação dos tempos modernos e a massificação do mundo virtual que adentram todos os lares e se infiltram nas famílias, são poderosos. Os festejos do Natal é uma prova disso. Eu sei que as festas natalinas são seculares, mas o que se vê é a padronização de cenários e personagens que pouco tem a ver com a maioria das culturas e se impõem ao mundo com o mesmo enredo em cenários diferentes. Gostaria que alguns teólogos me justificasse se os passos de Jesus foram dados em cenários assim e por que todo o mundo, incluindo os templos, assim celebram o nascimento do Senhor.
Os Shoppings Center estão lindamente ornados e paisagens estranhas substituem o nosso velho barro vermelho e batido. Eu fico com a curiosidade como o filho de um sertanejo pobre, que vive na triste e seca realidade das caatingas nordestinas, consegue entender o Natal e seus cenários alheios a seus olhos e ao alcance de sua pouca visão de mundo. O sertão, repentinamente, como nos contos da carochinha, se encobre de neve e os casebres totalmente iluminados e com belíssimas chaminés onde, após uma lauta ceia, as crianças que tiveram bom comportamento receberão presentes de um bom velhinho, Papai Noel, que, como nas lendas fantásticas, descerá pela chaminé e deixará um presente para cada criança. O sertão é o sertão e na terra rachada pela seca e a pele rugada do sertanejo, não tem data comemorativa, mas, talvez, lá se encontre mais exemplos de fé do que nos grandes centros e nas mesas de banquetes de muitos cidadãos que resume a data em uma manifestação de hipocrisia. Olhar sem ver ou ver somente a si mesmo.
É lindo o mundo da fantasia e ninguém é proibido de sonhar, mas a cultura de um povo deve refletir a realidade do seu cotidiano e o Natal não é uma festa justa. Uma criança é uma criança, igual em sua inocente visão de mundo e não é justo que, no dia seguinte, a realidade se faça diferença e os sonhos se transformem em inocentes lágrimas daquelas crianças que, inutilmente, esperaram o Papai Noel. O bom velhinho, em tempo de GPS, talvez não tenha conseguido localizar a casa daqueles garotos. Não era interesse de o Google mapear regiões que nasce do nada e que se destinam ao nada.
Mas é o que acontece. Eu já vivi essa realidade. Não há neve, não há ceia, os presentes trazidos por Papai Noel e seu trenó puxado por renas eram para os poucos mais abastados e nunca trazia o que pedira com a mais sincera manifestação de crença e, muitas vezes, não trazia nada. O dia raiava com o sol escaldante de sempre e o roçado esperava o pai e as crianças para o duro trabalho na lavoura e a incerteza da colheita. Mas, o cerne dessa pequena crônica não é esse. Se as desigualdades existem elas são permitidas por Deus e não tenho o direito a qualquer questionamento, pois é Ele o grande injustiçado. Quem, em verdade, comemora o Natal como o nascimento de cristo sem a simbologia profana dos festejos natalinos. Uma prova é a festa que promove o melhor resultado de vendas para as empresas, onde pessoas trocam presentes sem o sentido do mérito e o consumo exagerado fecha uma festa para celebrar o nascimento de um homem, séculos atrás, que mudou a face da civilização, mas poucos o celebram e muitos o festejam. O Natal aceite ou não, não é uma festa religiosa, mas comercial. O cenário de neve e personagens como Papai Noel não tem significado para a maioria dos lugares do mundo e celebrados de uma mesma forma. A fé, que está na raiz de cada povo, veste a fantasia da luxúria e sai comemorando o nascimento de Cristo para o mundo.
O menos comemorado é a data. O nascimento de Cristo, data maior do Cristianismo, deveria ser comemorado com humildade e despendimento, com humanismo e humanidade e abrir os olhos para os irmãos que margeiam as grandes avenidas das grandes capitais, com suas famílias, mendigando o pouco para comer e ignorados por nós reluz em seu triste olhar, as luzes que iluminam a avenida e rápido reflexo de nossos carros que passam indiferentes. Um amigo se justificava dizendo que eram aproveitadores da fragilidade emocional da data e viam explorar como pedintes. Mesmo que sejam. Um pedinte é um pedinte e não temos o desprendimento bastante para saber quem é ou não. Apenas julgamos e saímos em disparada participar de uma farta ceia de Natal.
Um olhar superficial para a história de Jesus e o seu sentido para a humanidade, seus exemplo de humildade, bondade e compassividade, mostra que estamos errados e que o ato de doar deve vir do sentimento, não do julgamento e a caridade que alguns acham que fazem contribuições sem emoção, um mero desencargo de consciência. Não há caridade sem compassividade e há diferença é o maior exemplo de Jesus entre nós: ficar no lugar do outro, sentir a dor do outro, ajustar o seu olhar para o sofrimento dos outros. Trocar presentes entre pessoas de uma mesma família que, em tese, de nada precisam é fácil. Mas, entender que, ao seu lado ou no imite do seu olhar, alguém realmente precisa de ajuda exige mais do que exige mais que festejar o Natal, exige a justa retribuição a Deus pela dádiva da vida e, para tanto, todo dia será Dia de Natal.
* Adauto José de Carvalho Filho, AFRFB aposentado, Pedagogo, Contador, Bacharel em Direito, escritor e Poeta.