UMA CURIOSA MESA-REDONDA –

Retirei aleatoriamente dez livros da estante e, colocando marcadores entre páginas não intencionalmente escolhidas, passei a realizar um desejo, digamos, um tanto ousado.

Com isso, minha esperança era fazer um jogo filosófico, a partir da pergunta que a mim fazia, toda vez que me deparava com muitos livros: O que seus autores (não presentes) conversam entre si?

Para esse exercício criei um cenário fantasioso, onde todos eles (os autores) estivessem numa grande mesa-redonda, já expressando seus “dizeres” quando me agregaria em meio à conversa.

Afinal não conhecia a pauta e nem alguns deles, que facilitassem a minha intrometida inserção. Teria que, aos poucos, ir me adaptando ao assunto apenas pelos ditos e contraditos, com respeito merecido a cada um ali assentado.

 Não, eu não podia participar do “debate”, pois não seria ouvido.

De posse do meu caderno de anotações, atento, fui registrando o que cada um deles dizia. Confesso que em boa parte da conversa entre eles, fiquei sem elementos de ligação ao ‘poliglotismo’ ali reinante.

Você também quer fazer parte dessa “mesa-redonda”? Queira sentar-se.

Permita-me apresentar-lhe os participantes:

– Pedro Chagas Freitas (escritor português, que se titula como “um gajo que escreve cenas”). Está aqui pelo livro “Prometo Falhar”.

– Frei Elias Vella (Franciscano conventual, teólogo nascido na baía de Saint Paul, em Malta). Pelo livro “O Líder de Fé”.

– Joseph Chilton Pearce (americano de Pineville, Kentucky, EUA, consultor de educadores e agências governamentais). Pelo livro “O Fim da Evolução”.

– Geraldine Brooks (nascida em Sidney, Austrália, jornalista com coberturas em guerras e conflitos). Pelo livro “As Memórias do Livro”.

– Raimondo Scotto (médico italiano, dedicado ao universo da família). Pelo livro “O Amor tem Mil Faces”.

– Mário Vargas Llosa (escritor peruano, nascido em Arequipa, jornalista, crítico literário). Pelo livro “Travessuras da Menina Má”.

– Maria Henriqueta Camarotti (brasileira, de Olinda, Pernambuco, neurologista, psiquiatra, especializada em grupo terapia e acolhimento da pessoa que sofre). Pelo livro “Consciência Autocurativa”,

– Flávio Moreira da Costa (escritor brasileiro, gaúcho de Porto Alegre). Pelo livro “As 100 Melhores Histórias Eróticas da Literatura Universal”, como organizador.

– José Saramago (escritor português, da província de Ribatejo, jornalista). Pelo livro “Ensaio Sobre a Cegueira”.

– Frei Betto (brasileiro, mineiro, frade dominicano, escritor). Pelo livro “Entre Todos os Homens”.

Pronto, todos anunciados, vamos ao que cada um “disse” em arranjos de letras e retalhos de sentimentos:

“O problema dos humanos é, quase sempre, não confiar no que Deus quer. E preferir agarrar com as duas mãos tudo aquilo que podem agarrar, tentar limitar estragos, reduzi-los ao mínimo possível. Os humanos criaram um Deus em que não acreditam, em que só acreditam em desespero, …” (Pedro Chagas)

“O verdadeiro líder não é aquele que pensa ser a síntese de todos os carismas, como se todos os carismas se achassem agrupados nele, mas é aquele que tem o carisma da síntese.” (Frei Elias)

“Ao atingir o mesmo grau de hipnose, o par se viu numa praia maravilhosa, de espuma transparente e rochas de cristal, ao som de um coro celestial.” (Joseph Chilton)

“Todos foram muito gentis, trazendo-me comida e até mesmo me abraçando. Não estou acostumada a ser abraçada.” (Geraldine)

“Um determinado modo de olhar ou de sorrir, um tom de voz especial, um comportamento corporal, um silêncio inesperado têm às vezes, a capacidade de comunicar um tipo particular de mensagem, muito mais que uma infinidade de palavras.” (Raimondo)

“- Na outra noite, você fez uma estupidez que eu não perdoo. Não devia ter me dirigido a palavra, não devia ter me segurado pelo braço, não devia ter falado comigo como se me conhecesse. Você podia me comprometer, não entende que precisa disfarçar? Onde está sua cabeça, Ricardito?” (Mário Vargas)

“Não se trata de aceitar a limitação pela limitação e sim de descobrir entre os elementos da restrição, espaços de possibilidades – amor incondicional, desapego, transcendência de si próprio, profunda aceitação  da realidade, percepção de uma missão mais profunda a ser cumprida, enfim, não somente compreender, mas sentir o processo de crescimento em si mesmo.” (Maria Henriqueta)

“Enquanto isso, não sei o que houve: vi-me com os calções quase nos calcanhares, num estado passavelmente razoável; e, por um encanto inconcebível, já me dispunha a me ocupar dela, quando, abrindo-se o laço de fita que lhe fechava o decote, fez desabar sobre mim dois peitões enormes acima da cintura.” (Flávio Moreira)

“Não estejas tão preocupado, pensou ela, irei daqui à porta em linha recta, no fim de contas, tanto faz, ainda que ficasse a desconfiar de que não estou cega, a mim não importa, não virás cá me buscar.” (José Saramago)

“Devemos ir descalços e sem bastão? pergunta Pedro. Não seja tão cabeça-dura, Simão. Bem sabes que o bastão serve de companheiro inseparável aos andarilhos. E, entre tantos pedregulhos pelos caminhos; ai de quem andar descalço. O que exijo é que tenhas uma atitude despojada.” (Frei Betto)

Ao final da “conversa” cada um foi se retirando e ocupando seus lugares na prateleira das emoções escritas e, de posse dos anotados, fiz-me reflexivo, tentando entender o recado de cada um, ao tempo que fiquei imaginando: Será que eles se entenderam?!

Terei um tempo maior para nos devaneios da ociosidade, relembrar o que cada um “disse” e tirar lições que animem meu pensar.

Conseguirei?

Não sei… esses mestres, em poucas ou muitas palavras sempre traduzem vivências e ensinamentos.

Você que estava lá, o que achou?

Deu para perceber que entre eles havia plena harmonia?

E fora da mesa-redonda estamos nos entendendo ou estamos sem paciência para buscar nas entrelinhas alguma reflexão?

 

 

Carlos Alberto Josuá Costa – Engenheiro Civil, escritor e Membro da Academia Macaibense de Letras ([email protected])

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores

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