O grande problema do homem público brasileiro é que somente permite ao povo ver aquilo que ele quer. Há um lado oculto, insondável, obscuro dentro dele, cheio de egoísmos e ambições. Neste ano da graça de 2022, após tantas eleições passadas, já é tempo dos eleitores recusarem suas manobras inconfessáveis. Por mais rígida que seja, a cada eleição, a lei eleitoral, os mágicos das urnas aperfeiçoam os métodos e aplicativos. Existem prefeitos que compram, à preços fora do “mercado” toda a bancada de vereadores a fim de perpetuarem o comando do poder político e do erário público. O que é muito cômodo quando transformam a prefeitura em projeto familiar.
Na tragédia “Coriolano” de William Shakespeare – profundo estudioso das caracteres e perfis humanos – ele realça a intrepidez e a decepção do general romano, vítima da ingratidão do sufrágio do povo e da trama solerte dos ladrões da coroa, quando, expulso da cidade, exclamou do alto de uma colina: “Vil matilha de cães, cujo hálito eu odeio, tanto quanto um pântano empestado. Cuja simpatia eu estimo, tal qual um cadáver insepulto e podre, que deixa o ar corrompido e irrespirável. Sou eu quem vos desterro e vos deixo na vossa inconsistência!”. Quantos bons e honrados gestores públicos não foram banidos ou afastados pelo voto equivocado do povo, instrumento fácil de quadrilhas de mal feitores nos municípios brasileiros?
Certa vez, narrei um fato acontecido com um político, fazendeiro potiguar, indagado pelo seu vaqueiro, por que comprava boiadas toda semana, quando as suas propriedades já não comportavam mais cabeças de gado. Calmo, contemplando os bovinos contados em sua frente, respondeu sacando o talonário: “Dinheiro só serve para duas coisas: comprar boi magro, engordar e vender com lucro, e caráter de cabra safado em véspera de eleição”. A sabedoria do político ainda ecoa nos usos e costumes dos gabinetes parlamentares até hoje, nos períodos eleitorais e fora deles. E o pior acontece quando o gestor capadócio e caviloso, vira “brinquedo do cão”. O povo deve despertar para esses cenários de teatro baixo.
Não sei até quando abusarão da paciência do povo ou até quando o eleitor continuará no papel de “besta quadrada”? Por que um prefeito ou líder político se perpetua no abrigo do erário – persegue, ameaça e compra pessoas como se mercadorias fossem? Cadê o Ministério Público, o TRE, o TCE, que não devem se descuidar da vigilância? Todos nós, eleitores desejamos eleições limpas.
Li na imprensa a fábula de quase cinco bilhões de reais que será destinada aos partidos políticos para a eleição de 2022. Os eminentes magistrados sabem através da cultura jurídica e da observação consuetudinária, que muitas vezes, a quietude das aparências dos “donos das legendas”, engana, ilude e oculta muitos propósitos. A honra é uma essência. Muitos alegam possui-la, sem nunca tê-la tido. Daí, como ser impossível advinhar a consciência do povo, é mister fiscalizar os métodos e procedimentos partidários com tanto dinheiro no cofre. A campanha radical deste ano ficará na história face a luta fraticida que já se desenha e pela corrução sem teto dos gastos, hábitos e costumes.
Uma das razões persuasórias do meu voto é o descompromisso com a larga porta. Desejo um presidente que tenha traços de mudança dos rumos na vida pública amanhecendo dentro de nós. E não mais pesadelos. O Brasil precisa de reflexão, madureza, cultura, inteireza, de palavras vestidas da humana claridade. Que tenha cores vivas vindas de sí mesmo e não reflexo de outros. Urnas, pra que te quero?
Valério Mesquita – Escritor, Membro da Academia Macaibense de Letras, Academia Norte-Riograndense de letras e do Conselho Estadual de Cultura e do IHGRN– [email protected]