O grande problema do homem público brasileiro é que somente permite ao povo ver aquilo que ele quer. Há um lado oculto, insondável, obscuro dentro dele, cheio de egoísmos e ambições. Neste ano da graça de 2014, após tantas eleições passadas, já é tempo dos eleitores recusarem suas manobras inconfessáveis. Por mais rígida que seja, a cada eleição, a lei eleitoral, os mágicos das urnas aperfeiçoam os métodos e aplicativos. Existem prefeitos que compram, à preços fora do “mercado” toda a bancada de vereadores a fim de perpetuarem o comando do poder político e do erário público. O que é muito cômodo quando transformam a prefeitura em projeto familiar.
Na tragédia “Coriolano” de William Shakespeare – profundo estudioso das caracteres e perfis humanos – ele realça a intrepidez e a decepção do general romano, vítima da ingratidão do sufrágio do povo e da trama solerte dos ladrões da coroa, quando, expulso da cidade, exclamou do alto de uma colina: “Vil matilha de cães, cujo hálito eu odeio, tanto quanto um pântano empestado. Cuja simpatia eu estimo, tal qual um cadáver insepulto e podre, que deixa o ar corrompido e irrespirável. Sou eu quem vos desterro e vos deixo na vossa inconsistência!”. Quantos bons e honrados gestores públicos não foram banidos ou afastados pelo voto equivocado do povo, instrumento fácil de quadrilhas de mal feitores nos municípios brasileiros?
Certa vez, narrei um causo acontecido com um político, fazendeiro potiguar, indagado pelo seu vaqueiro, porquê comprava boiadas toda semana, quando as suas propriedades já não comportavam mais cabeças de gado. Calmo, contemplando os bovinos contados em sua frente, respondeu sacando o talonário de cheque: “Dinheiro só serve para duas coisas: comprar gado magro, engordar e vender com lucro e caráter de cabra safado em véspera de eleição”. A sabedoria do político ainda ecoa nos usos e costumes dos gabinetes de vários gestores até hoje, nos períodos eleitorais e fora deles. E o pior acontece quando o gestor é abilolado e brinquedo de trapaça dos outros. Ele vira “brinquedo do cão”. O povo deve despertar para esses cenários municipais de teatro baixo.
Não sei até quando abusarão da paciência do povo ou até quando o eleitor continuará no papel de “besta quadrada”? Por que um prefeito ou qualquer auxiliar que se arvorem líder, para se perpetuarem ao abrigo do erário, perseguem, ameaçam e compram pessoas como se mercadorias fossem? Cadê o Ministério Público, o TRE, o TCE que não devem se descuidar da vigilância? Todos nós, eleitores desejamos eleições limpas. Li na imprensa a relação dos municípios que terão a presença das forças federais. Evidentemente, entendemos que eles inspiram cuidados. Macaíba encabeça a relação. Os eminentes magistrados sabem através da cultura jurídica e da observação consuetudinária que muitas vezes a quietude das aparências, engana, ilude e oculta. A honra é uma essência. Muitos alegam tê-la, sem nunca havê-la tido. Daí, como ser impossível examinar a consciência do povo, é mister fiscalizar os métodos e procedimentos daqueles que perseveram no assédio indecoroso: “urnas pra que te quero”?
Valério Mesquita – Escritor, Presidente do Instituto Histórico e Geográfico do RN Mesquita.valerio@gmail.com
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