VAI HAVER CARNAVAL? –

A pergunta tem resposta. Vai haver festa, sim. Sempre haverá folia no país do carnaval. O bloco pode não sair às ruas, a escola não desfilar na avenida, o clube não abrir as portas aos foliões. Haverá festa porque no Brasil do sofrimento, das desigualdades, dos preconceitos, do racismo e da homofobia, quase tudo é carnaval. Para o bem e para o mal, temos essa habilidade secular para escamotear a tristeza e a mazela com os atavios da negligência, do esquecimento, e as maquilagens de uma felicidade prostituta.

Mas vai haver carnaval de verdade, como na música de João Nogueira e Zé Catimba. Diz essa bela composição que o samba não se acabou; segue amado, firme e cantado pelo Brasil que também é amoroso, lúdico e musical. Esse carnaval exaltado pelos sambistas, é o mesmo que no início do Século XX desfilava no tríduo momesco, os três dias de alegria espontânea que embriagava a sociedade entre as guerras, as intolerâncias e as carências que marcaram o período.

Mesmo não sendo um folião, nunca tendo experimentado as aventuras das brincadeiras carnavalescas, guardo comigo os momentos de assíduo expectador, cúmplice da alegria que exalava de todas as licenças do Reinado de Momo. Assim, não escapava dos meus olhos juvenis o desfile dos papangus, dos travestidos, das marinheiras, que em tecidos vistosos, brilhantes e coloridos, simulavam fardas, e adereços da mais próxima, festiva e simpática força militar sediada na Guarita. E não me lembro de ter perdido uma única partida do bloco que, nos domingos de folia, desde a casa do barbeiro Chefão, entre sambas e marchinhas, tomava o rumo do Alecrim, ao som da batucada marcante dos bumbos, dos taróis e dos tamborins de couro de gato, sob a liderança do infalível trombone de Lelé.

Também guardo comigo o carnaval nas Rocas. E quase sou capaz de ver aqueles domingos (ou eram terças-feiras?) em que ruas e ladeiras se enchiam com o espontâneo e ainda ordeiro desfile da Bagunça de Pevê. O organizador, sério e vigilante, sem um passo de frevo ou de samba, seguia o cortejo com o equilíbrio e a serenidade de um velho guru, ou sacerdote em procissão. Era quase um aquecimento, porque muitos dos componentes da bagunça também integravam o mais famoso e reverenciado bloco do bairro: Os Malandros do Samba, a pioneira agremiação que orgulhava os moradores e rivalizava com os Imperadores do Samba e Asa Branca, a primeira do Alecrim e a outra das Quintas. Nos desfiles oficiais no palanque da Avenida Deodoro, esses grupos travaram históricos duelos de batucada, enquanto aplaudidos e idolatrados passistas exibiam suas gingas e habilidades de sambistas.

São essas as mais carinhosas referências. Com o que acontecia fora de Natal, por algum tempo mostrei interesse nos suntuosos e delirantes desfiles de fantasia, e na rivalidade entre Clóvis Bornay e Evandro de Castro Lima. As maiores atenções sempre foram para o chamado Maior Espetáculo da Terra, a exibição das escolas de samba do Rio de Janeiro, sem dúvida, a principal atração do carnaval do Brasil. Hoje, assistimos a exuberância das agremiações, o desconcertante e frenético ritmo dos sambas-enredo, e o desempenho de glamourizadas e atléticas passistas que, sem talento para o verdadeiro samba-no-pé, apostam nos efeitos de um rebolado ostensivamente erotizado. Algumas são estrelas onipresentes e contratadas da mídia eletrônica, e que, infelizmente, estão usurpando o protagonismo das verdadeiras sambistas, aquelas originárias das melhores tradições do verdadeiro samba popular.

Tudo muda, e o Carnaval também continuará mudando. Pena que o preço das transformações seja o inevitável fim de uma certa pureza, característica dos carnavais do passado.

 

 

 

 

 

Alberto da Hora – escritor, cordelista, músico, cantor e regente de corais

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