VALIOSOS ENCONTROS –
O início deste ano foi repleto de eventos tristes. Velei o corpo de uma prima querida, de uma antiga e também muito estimada colega de trabalho, e de um amigo, que conheci em algumas fortuitas e alegres rodadas de música popular. Em todas essas ocasiões, não pude deixar de notar um fato que seria curioso, não fosse a solenidade e a tristeza do momento. Foi observar o forçoso e inevitável reencontro com muitos amigos, comuns a nós e àqueles mortos amados; foi rever e compartilhar cultivadas relações com colegas e parentes, alguns especialmente queridos, embora distantes e/ou retraídos; foi dividir, por instantes, lembranças e experiências olvidadas pela distância forçada imposta pela conveniência, ou influenciada pelos problemas, tanto os que realmente incomodam, quanto por aqueles que são apenas fruto da nossa angustiada e inquieta imaginação.
O instinto gregário, conveniente e útil para a nossa saúde mental, é um dos catalisadores do desenvolvimento histórico e econômico, característica da sociedade humana; uma prática que se manifesta na forma de grandes conglomerados e associações, mas também na simplicidade de uma relação paternal, amistosa ou sentimental. É a valorização – ou a submissão – a esses ditames que nos leva ao acasalamento, à busca e à construção dos núcleos familiares, bases da maioria dos grupos civilizados. São os encontros que nos tornam semelhantes aos animais, que nunca dispensam a companhia dos outros, não se isolam, não se individualizam, com a certeza irracional de que, juntos, serão sempre mais fortes.
Entretanto, a História nos mostra como a humanidade tem utilizado mal grande parte dos seus encontros. O cotejo das aspirações, das necessidades, das vontades e das ambições de pessoas, grupos, ou sociedades, transformaram meros desentendimentos em duelos de superioridade, ganância, egoísmo e poder. Exibimos e fortalecemos com a brutalidade das guerras um modelo de encontro nocivo, danoso e, numa análise ingênua e tolerante, totalmente incompreensível, porque sabemos que a base do desenvolvimento da espécie, desde o afloramento da nossa capacidade cognitiva com o homo sapiens foi a cooperação, a ajuda mútua, a colaboração. Os homens se encontravam para caçar, coletar e dividir o alimento, enquanto, unidos, se defendiam dos predadores. Não era mais uma carência instintiva, animal; era, pela ação do cérebro em desenvolvimento, a consciência da necessidade do convívio, para mútua proteção.
É claro que nem todos os homens são belicosos e arrogantes. O mesmo cérebro que alimenta a ganância, a maldade e a brutalidade é capaz de promover a paz, a concórdia e a solidariedade. Cabe, então, a essas cabeças pensantes o exercício do compromisso e da missão de lutar por uma sociedade humana baseada na justiça e no acato ao direito universal de sermos não “felizes” de um ponto de vista meramente “romântico”, religioso ou espiritual, porém satisfeitos e integrados em uma sociedade justa, mesmo que ainda utópica e improvável. Os eventos do mundo atual nos mostram e nos levam a supor ou a esperar um porvir antiutópico, ou distópico, conforme entendemos essas novas expressões.
Os perigos que enfrentamos são, sem dúvida, a desenfreada influência das ambições materiais de todo tipo, mormente aquelas estimuladas por uma filosofia capitalista sedutora, porém concentradora, excludente e discriminante; e o desenvolvimento tecnológico, que prioriza e incentiva o distanciamento físico e coloca as nossas decisões e carências mais importantes nas mãos dos algoritmos e dos programas gerados pelas mentes geniais dos cientistas da computação. Vários desses avanços serão inegavelmente úteis; alguns, certamente irão moldar o comportamento social e provocar, como já ocorre, mudanças nas relações humanas. Felizmente, ainda estou aqui hoje, vivendo a inestimável alegria de poder desfrutar dos meus pessoais, celebrados e valiosos encontros.
Alberto da Hora – Escritor, músico, cantor e regente de corais